O Filme da Minha Vida
(Idem, Brasil, 2017)
Dir: Selton Mello
Sem dirigir um filme para cinema há seis anos, quando fez o ótimo O Palhaço – sucesso de críticae público, nosso representante ao Oscar –, Selton Mello retorna agora à função com O Filme da Minha Vida. Sua estreia como diretor tinha sido com o também competente Feliz Natal. É muito curioso perceber que seus dois primeiros longas tinham pontos de referência muito claros: o primeiro emulava declaradamente o cinema de John Cassavetes, com uma mistura inusitada do impressionismo de uma Lucrécia Martel; já o segundo tinha um quê de Wes Anderson, com seu visual kitsch-estilizado e quadros muito bem compostos visualmente. Agora, o diretor tenta encontrar um caminho mais seu, um rumo próprio, ainda que altamente estilizado e muito peculiar a esse projeto, justamente no filme que se revela o menos inspirado dos três.
Talvez a explicação para tal “desencontro” esteja mesmo na origem do projeto: adaptado do livro do escritor chileno Antonio Skármeta, intitulada Um Pai de Cinema, O Filme da Minha Vida não esconde o quanto modesto essa história quer ser, a não ser pelo aspecto visual a gritar e chamar atenção para si.
O livro de Skármeta já era singelo per si, uma história curta, pequena, mas não menos cheia de meandros, questões afetivas e familiares. E não há nada mal em ser modesto e prezar pelos contos mínimos; o problema maior é que o próprio filme não parece aceitar essa sua condição. A exuberância técnica, principalmente da fotografia assinada pelo grande Walter Carvalho, não acompanha o tamanho do filme, que poderia encontrar melhor dimensão para desenvolver seus conflitos, até porque tudo que compõe essa narrativa tem o seu valor destacado: o texto é preciso, os atores estão todos ótimos em cena, há graça e humor, afeto e paixão envolvidos.
Mello encontra na história de Tony Terranova (Johnny Massaro) uma forma de idealizar uma trajetória que não necessariamente possui algo de especial, mas simplesmente reflete a vida de um jovem se abrindo para a fase adulta. Ele acabou de retornar à sua cidade interiorana de origem depois de completar os estudos superiores fora. Culto e de temperamento introspectivo, começa a dar aulas no colégio infantil. Mas vive tomado pelo remorso de ter visto seu pai (Vincent Cassell), um francês aventureiro, abandonar a cidade e a família para voltar a sua França natal no exato dia em que Tony retornou ao lar.
Inconformado e à procura de rastros do paradeiro do pai, Tony segue sonhando e amadurecendo, e o filme acompanha uma série de outras relações que lhe surgem no caminho: a paixonite que começa a nutrir pela bela Luna (Bruna Linzmeyer), o comportamento cada vez mais soturno da mãe, os contratempos com seus imberbes alunos, passando pelos desejos carnais (dele e dos alunos), além da aproximação com um velho amigo do pai, Paco (vivido pelo próprio Selton Mello). Em certa medida todos esses pequenos encontros funcionam, narrativamente, como despiste que circula ao redor do grande conflito em torno da figura paterna e também o mistério que paira sobre o porquê dele ter ido embora tão repentinamente. E a mesma singeleza que permeia a história é também a forma como o filme trata a resolução de tal caso, já no meio da projeção, e pouco constrói depois disso, a não ser pela pequena resolução dos micro-conflitos em relação aos demais personagens.
O longa parece muito mais obcecado e interessado em provocar um impacto visual memorável, a busca pela beleza constante a cada plano. O capricho pode acabar gerando sacrifícios. Corre-se o risco de soar pretensioso, como se quisesse provar competência técnica a todo custo, no
limite da afetação visual, ainda que a “intenção de querer ser bonito” não seja de todo um mal a se renegar. Ou, o que é ainda mais grave, funcionar como despiste impressionável para esconder as vias de uma trama que nem sempre emplaca – e mesmo que empaca, especialmente depois da resolução envolvendo o destino do pai.
No meio disso tudo, no entanto, há a competência cênica de Selton Mello que ainda consegue manter a balança em equilíbrio e ditar certo ritmo para que o filme não se torne enfadonho. Há algo de maturidade aí, de qualquer forma, que faz jus à trajetória que ele vem apresentando até aqui. Se espremer bem, sai bem pouco da trama de O Filme da Minha Vida e é uma pena que sempre queiram fazer mais daquilo que se propõe a ser menos.