Mostra Cinema Conquista – Diário #3

Uma Primavera (SP/BR, 2011)
Dir: Gabriela Amaral Almeida

O que era para ser somente a comemoração de mais um aniversário, ganha ares de rito de passagem aqui. Acompanhamos mãe e filha num piquenique comemorativo dos 13 anos da garota. Apesar da proximidade de ambas, nota-se logo um certo desconforto da filha por toda aquela cerimônia. Quando a menina desaparece no parque, a mãe entra em desespero à sua procura. E fica evidente como a mulher ainda trata a menina como uma criança (ao perguntar a um estranho se viu ele a garota, ela mostra uma foto dela dizendo: “é de quando ela tinha 9 anos, mas continua igualzinha”).

O mistério do que teria realmente acontecido à garota cria uma tensão constante, amparado no desespero da mãe. Mas apesar do pânico que toma conta dela, o curta possui toda uma calma, se aproveitando da atmosfera tranquila e silenciosa do parque (o som ambiente é bastante aproveitado nesses momentos). Uma Primavera parece seguir o rumo do drama intenso, mas vai encontrar seu caminho no deflorar da juventude. Mas mais do que isso, aponta para a necessidade de aceitação do crescimento dos filhos, pois sua garotinha não continuará sendo a mesma, nem será sua para sempre.

Qual Queijo Você Quer? (SC/BR, 2011)
Dir: Cíntia Domit Bittar

Esse é mais um (belo) filme de pretexto. Quando o senhor Afonso pede a sua mulher Margarete para trazer queijo do mercado, a esposa tem um surto verborrágico em que despeja toda a angústia que parecia estar presa na garganta. Começa aí a exposição de uma rotina desgastada, uma vida doada à criação dos filhos, em que o tempo reservado a si mesmo é sempre deixado para depois. Qual Queijo Você Quer? usa esse estopim para falar de relações desgastadas na terceira idade, tema muitas vezes ignorado no cinema.

O filme se beneficia ainda de uma composição visual acertadíssima, a começar por uma direção de arte que capricha ao preencher a sala de estar da casa do casal, onde se passa todo o filme, com uma série de objetos que remetem, paradoxalmente, a um lar preenchido e cheio de histórias pra contar. A fotografia amarelada reforça bastante não só a noção de coisa envelhecida, passada do tempo, como cria atmosfera de calor que a discussão suscita (por isso é bem sacada a presença de um ventilador ligado a toda velocidade). Mas o curta ainda vai trazer uma surpresa quando um relógio parado se tornar uma bela metáfora da vida que ainda segue, para o bem ou para o mal.

Estamos Juntos (RJ/BR, 2011)
Dir: Toni Venturi


Estamos Juntos ensaia, no seu início, um certo triângulo amoroso dos mais inusitados, mas vai ser por outros caminhos dramáticos que põem em cheque a situação dos personagens da mesma forma que a do projeto do filme em si. Isso porque alguns arcos dramáticos parecem mais bem resolvidos que outros, da mesma forma que o filme muitas vezes parece não saber o que fazer com seus personagens, criando novas válvulas de escape ou repetindo as mesmas situações, o que enfraquece bastante a força total do filme.

Carmem (Leandra Leal, uma de nossas melhores atrizes) é uma médica residente que conhece o músico argentino Juan (Nazarena Casero), com quem começa um tórrido envolvimento, passando para trás seu amigo gay Murilo (Cauã Reymond) que ainda reserva esperanças de ficar com Juan.

O filme começa com esse envolvimento amoroso, na mesma medida em que se esforça para expor a solidão de Carmem. Ela vai começar também a sentir tonturas que apontam para problemas sérios de saúde. O filme encontra ainda lugar para injetar um comentário social pelo envolvimento de Carmem com uma comunidade de sem-tetos em que faz trabalho voluntário de medicina preventiva.

Assim, Estamos Juntos tenta dar conta de mais coisa do que consegue segurar e dar profundidade, em especial dos personagens secundários que Juan e Murilo se tornam; em determinado momento eles somem da narrativa já que essa passa a focar na saúde de Carmem. Quando parte para o campo social, perde muito na falta de contextualização daquela realidade, soando como uma tentativa frágil de parecer engajado. A sensação é de que seria preciso de mais de um filme para dar vazão a tantos arcos dramáticos, ou de que o roteiro de Hilton Lacerda (Amarelo Manga, Baixio das Bestas) carece de mais liga entre suas partes.

A solidão na cidade de São Paulo ganha corpo na pessoa de Carmem, e uma das ideias do filmes (mais uma, só que essa, bem boa) é a relação dela com um homem misterioso que aparece quando a personagem está sozinha. São os melhores momentos do longa pelas conversas entre os dois, pela entrega e pelo tom singelo e sensível que consegue alcançar, dotando o filme ainda de um interessante ar fantasioso.

E Leandra Leal ajuda muito a dar consistência a essa personagem que precisa transitar entre várias situações, deixando para trás o resto do elenco (e isso inclui Dira Paes!) tão mal cuidado pelo roteiro. Mas Toni Venturi filma muito bem, compondo planos com muita calma e beleza (fotografia é linda). Pena que a serviço de uma história que pede a todo momento por mais.

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