6º Paulínia Film Festival: Parte V

A
História da Eternidade
(Idem, Brasil, 2014)
Dir: Camilo Cavalcante

A poesia bruta do sertão explorada mais uma vez. Camilo
Cavalcante passeia pelos tipos que já foram largamente utilizados nesse tipo de
ambiência: garota de família patriarcal tem sonho pulsante em conhecer o mar; o
tio, um artista incompreendido, o pai, um bruto; em outros núcleos, há ainda o neto que retorna à terra natal, para alegria da avó, e o sanfoneiro cego que
clama o amor de uma mulher em luto pela morte do filho pequeno.
São histórias que se entrecruzam na paisagem árida
do interior nordestino, com suas regras e morais instituídas. Chega a ser um
risco manipular velhos temas e tipos batidos desse ambiente já tão exposto nas
artes em geral. O que sustenta o filme é a direção segura de Cavalcante, sua
estreia no longa-metragem depois de um extenso trabalho com curtas.
A paisagem interiorana ganha um tratamento que segue
um fluxo de tempo muito próprio, calmo, ainda que as questões que movam os
personagens vão crescendo em intensidade. Nuances de viés mais proibidos (como
a atração da sobrinha pelo tio) ou mesmo pondo em xeque a moral de seus personagens
(o neto que volta fugindo de encrenca na cidade grande) surgem para complexificar
as relações daquelas pessoas entre si, também no contexto de vida em que se
encontram.
Nesses embates, o longa beneficia-se de um time de atores
de primeira. Marcélia Cartaxo e Zezita Matos personificam muito bem essas
mulheres fortes do interior, uma que nega o amor em prol do luto, outra com o
coração balançado pela descoberta de um neto não tão pródigo assim. Mas o
destaque mesmo é para um Irandhir Santos radiante, frágil pela epilepsia que lhe
acomete, mas cheio de vigor por conta de sua condição de artista maldito e
contestador num ambiente desfavorável.
Duas cenas suas se destacam: quando performatiza, na
rua, uma canção dos Secos e Molhados; e aquela em que ele “apresenta” à
sobrinha o mar. Em ambas as sequências a câmera em travelling circular parece hipnotizado pela disposição e olhar
poético daquele homem.
É o respiro que o filme permite em contraponto à
dureza de uma vida severina; há arte ali. É esse tipo de olhar aguçado para a
poética das paixões em meio à coisa bruta que Calvalcante explora tão bem. Nota-se
nele um cineasta consciente do seu poder de encenação, ainda que seus temas não
sejam assim dos mais originais.
Infância
(Idem, Brasil, 2014) 
Dir: Domingos Oliveira

Curioso que um filme com esse título, com foco no olhar
infantil, tem como um de seus pontos mais fracos justamente o personagem mirim.
Rodriguinho (Raul Guaraná) é a criança que observa o mundo e passa os dias
na enorme casa da avó no bairro carioca de Botafogo dos anos 1950. É o olhar
autobiográfico do velho Domingos (de) Oliveira que rememora e ficcionaliza uma
ambientação. Porém, é certamente mais interessante quando observa as agruras por que
passam os adultos.
As relações de
Rodriguinho com o primo escroto, pirralho mal educado e de boca porca, parece
ser a porta para o mundo sujo e pouco idealizado que ele vai conhecer. Em
contraponto, a figura da professorinha recatada (Maria Flor) faz-se presente no
desabrochar amoroso do pequeno cujo maior conflito na história é o
desaparecimento de sua cachorrinha. Tudo muito insosso.
No polo adulto,
há o pai (Paulo Betti), que se embaralha com as finanças da família; a mãe
submissa (Priscilla Rozembaum), moralmente ao marido, amorosamente à matriarca;
e o tio (Ricardo Kosovski), bêbado, dependente do dinheiro da mãe. E há
Fernanda Montenegro, iluminada no filme. Não somente porque ela é Fernanda Montenegro, mas porque sua personagem é marcante, tem destaque na história, recebe ótimo texto e as melhores tiradas do filme.
D. Mocinha é a
matriarca da família, controla não só o dinheiro, como também as decisões de
todos na casa, filhos, genros e agregados. Lacerdista fanática, obriga a todos
a ouvir o programa do anti-getulista no rádio. São os desentendimentos entre
esses tipos que dão cor mais divertida a um filme muito bem produzido, com ótimos
trabalhos de figurino e direção de arte. 

O habitual texto
ligeiro assinado por Oliveira permanece com a verve cômica, por vezes
escrachada, que lhe é tão peculiar. Trata-se, portanto, de um retrato pouco
romântico de personagens tomados de defeitos e vícios, ainda que exista um ar
nostálgico e carinhoso no todo – a cena da tradicional foto de família diz
muito sobre isso. Importante que o próprio Oliveira surja no filme como essa
figura que encontra seu mundo do passado. Um olhar de gente crescida que faz
bem.

2 thoughts on “6º Paulínia Film Festival: Parte V

  1. Gostei muito de "Infancia", Rafael. Reconheci bem a época da minha própria infância, e também tive uma avó que era lacerdista doente. A direção de arte é mesmo linda, cria aquele lar acolhedor, colorido e luminoso – o que enfatiza o tom leve para lidar com os dramas pessoais.

  2. Que bom que você curtiu, Stella. É de fato um filme que evoca pensamentos nostálgicos pessoais, principalmente quando a gente se espelha no que vê na tela. Gosto do estilo do Domingos, mas acho que o personagem infantil poderia ser melhor trabalhado aqui.

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