Mostra SP: O Filme da Escritora

Ano passado, Hong Sang-soo lançou Introduction, longa-metragem que aqui no Brasil recebeu o título de Encontros. Curioso pensar nesse título porque O Filme da Escritora é claramente um filme de encontros e, mais do que isso, sua trama se potencializa porque eles são muito mais reveladores dos caminhos a serem traçados pela protagonista, uma escritora que há muito tempo não lança uma nova obra, mas gostaria de transformar um de seus livros em filme.

O cinéfilo mais acostumado ao cinema prolífico do cineasta sul-coreano talvez possa argumentar que todos os filmes de Hong são ancorados nos encontros (e, por conseguintes, nos desencontros também), na força dos acasos do cotidiano. Mas aqui, o que se passa com Junhee (Lee Hye-yeong) é que uma simples visita a uma antiga amiga, agora dona de uma pequena livraria, a leva a uma série de mudanças na maneira de ver as coisas.

A protagonista também vai se encontrar com um famoso diretor (vivido por Hae-hyo Kwon, ator habitual nos filmes de Hong), que outrora iria dirigir um filme baseado em um de seus livros, o que acabou não acontecendo. O reencontro dos dois sugeriria uma retomada no antigo projeto, mas a conversa entre eles acaba revelando rancores e desconfianças que se notam pela ironia dos diálogos – uma das grandes cenas do filme, conversa em volta de mesa de bar filmado em plano único em que não apenas os diálogos, mas todo o gestual dos atores ajudam a criar a sensação de desconforto que brota dali, tipo de situação que Hong sabe filmar como ninguém.

No entanto, é justamente esse encontro que possibilita outro: passeando na rua, o grupo esbarra em uma jovem atriz (Kim Min-hee) e, da sua conversa com a escritora, faz-se brotar uma nova oportunidade de fazer um filme, dessa vez dirigido pela romancista. No cinema de Hong Sang-soo, as possibilidades do emaranhado do cotidiano são muitas e tomam os personagens – e a nós também – de assalto, com muita naturalidade.

Nesse sentido, este novo filme ganha mais nuances se colocado em paralelo com outra obra recente do cineasta, In Front of Your Face, lançado ano passado. Ali, uma atriz de meia-idade (interpretada pela mesma Lee Hye-yeong) buscava se encontrar com um diretor (não por acaso o mesmo Hae-hyo Kwon) para, quem sabe, voltar a atuar. São histórias que lidam com carreiras estagnadas, mas não necessariamente improdutivas por causa isso – e não deixa de ser curioso pensar nesse tema recorrente vindo de um cineasta tão prolífico.

E diferente da protagonista do filme anterior, que parece viver uma crise pessoal por conta de um segredo que só se revela ao fim, Junhee está muito mais confortável na sua condição de escritora “que está dando um tempo”. O cinema surgir como possibilidade de livrá-la desse estado de certa “inatividade” é mais uma bela piscadela que o filme proporciona ao espectador no seu caminho metalinguístico, sem fazer disso uma grande celebração. Pelo contrário, o cinema de Hong coloca a coisas nos seus lugares como se se encaixassem naturalmente, pela força do acaso – por vezes desconjuntadamente, noutras apenas ajudado pelos desejos e anseios dos personagens. Se há algo a celebrar, aqui e sempre, é simplesmente a possibilidade dos encontros.

O Filme da Escritora (So-seol-ga-ui Yeong-hwa, Coreia do Sul, 2022)
Direção: Hong Sang-soo
Roteiro: Hong Sang-soo

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