Mostra SP: One Fine Morning

Depois de ter colocado em evidência a separação de um casal no seu último filme, A Ilha de Bergman, a cineasta Mia Hansen-Løve resolveu investir no movimento inverso nesse One Fine Morning. É um filme sobre as possibilidades do amor, uma vez que a viúva Sandra (Léa Seydoux) reencontra um antigo amigo, Clémont (Melvil Poupaud), este ainda casado, mas em crise com a esposa. O filme não é apenas sobre isso (assim como o anterior pode ser desdobrado em demais questões), mas o interesse de Hansen-Løve nos movimentos de atração e repulsão a dois é evidente.

Este novo filme, de certa forma, é um retorno da cineasta às suas obras do início da carreira (os belos O Pai dos Meus Filhos e, especialmente, Tudo Está Perdoado). São filmes que partem de conflitos apenas aparentes, mas que se desdobram como dramas íntimos muito intensos para os seus personagens no decorrer da trama. Também são filmes fotografados e banhados pela luz do verão francês, apesar de rondar uma melancolia no ar que nunca abandona a atmosfera, mesmo nos momentos mais alegres.

Sandra encontra razões para amar um homem novamente, depois da morte do marido e ainda tomada pela tarefa de cuidar da filha, por quem é visivelmente apegada. Mas a impossibilidade de Clémont de assumir o relacionamento – isso se de fato ele tiver essa intenção – transforma a relação dos dois em algo fortuito, quase uma aventura que Sandra leva a cabo apenas pela carência emocional, mas que vai crescendo em importância para os dois.

Como subtexto, há ainda a situação do pai de Sandra, ex-professor de filosofia, já em idade avançada, quase cego, e que precisa ser levado para uma casa de repouso – decisão que mexe muito com ela e com os demais membros da família, quase toda feminina (as irmãs dele, a ex-esposa, a atual mulher). É a dissolução de uma existência que evidencia a proximidade do fim, enquanto os personagens precisam continuar seguindo e sustentando suas estruturas de família.

Seydoux, aliás, tem um desempenho incrível ao compor essa personagem entre a tristeza e a obstinação. Sandra trabalha como tradutora, cuida sozinha da filha e ainda se faz presente nos cuidados e nos assuntos do pai idoso. Não é uma personagem em nada frágil, mas que se encontra em um momento de melancolia tal que mesmo o surgimento de um novo amor parece uma batalha a ser travada – ela mesma confidencia que desaprendeu a transar. Suas inseguranças são mais momentâneas do que um traço de sua personalidade.

One Fine Morning (ou “Uma Bela Manhã”, da tradução do título original) se move, portanto, como esse filme singelo, repleto de sutilezas, muito consciente do seu ritmo cadenciado do cotidiano que, apesar dos abalos, segue um fluxo muito próprio, apesar dos pesares. Trata-se de um filme banhado pela tristeza, mesmo quando Sandra e Clémont se relacionam, mesmo quando o acaso os favorece. É nessa mesma chave que os personagens aprendem o quanto é preciso seguir sustentando relações saudáveis e possíveis, à espera de manhãs sempre mais belas que estão por vir.

One Fine Morning (Un Beau Matin, França/Reino Unido/Alemanha, 2022)
Direção: Mia Hansen-Løve
Roteiro: Mia Hansen-Løve

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