Afeto que conforta

Luzes na Escuridão (Laitakaupungin Valo, Finlândia/Alemanha/ França, 2006)
Dir: Aki Kaurismäki


O cinema do finlandês Aki Kaurismäki parece um gosto adquirido. É preciso se afeiçoar ao estilo vagaroso de sua narrativa, as atuações apáticas do elenco (algo marcadamente bressoniano), trilha sonora inusitada (como, por exemplo, é ouvir Carlos Gardel no início e nos créditos finais desse filme), senso de humor que beira o absurdo, direção de arte colorida beirando o kitsch, e, o mais interessante, um tom caloroso dado a seus personagens, a despeito da atmosfera aparentemente fria e distante de suas histórias.

Porque os personagens de Kaurismäki, na maioria das vezes, operários ou trabalhadores que precisam ralar para manter uma condição digna de vida, sempre estão passando por apertos, situações que muitas vezes vão se afundando em suas próprias consequências negativas. São vítimas de um mundo cruel, lutando contra algo maior do que eles.

É o caso do protagonista de Luzes na Escuridão, o guarda noturno Koistinen (Janne Hyytiäinen), trabalhando para uma empresa de vigilância, que sonha em poder abrir seu próprio negócio no mesmo ramo. Quando ele conhece a misteriosa e bela Aila (Maria Heiskanen), vamos perceber toda a ingenuidade do protagonista quando a aproximação dessa garota começar a soar perigo.

O filme consegue manter muito bem essa tensão porque a aproximação de Aila é bem sutil e, embora saibamos que ela trabalha para alguém que deseja faze mal ao rapaz, o plano nunca nos é revelado, daí que só sabemos seu resultado final quando ele se concretiza.

Enquanto isso, o diretor compõe a narrativa de forma cuidadosa e minimalista, vagarosa, mas nunca lenta, e isso é uma das grandes características do projeto de cinema de Kaurismäki. Apesar do tom arrastado, muita coisa acontece no filme, nunca empaca, e isso representa uma diferença enorme em relação aos tempos mortos. Kaurismäki movimenta sua narrativa com cuidado, mas transparece um controle absoluto de cena.

Esse filme faz parte de uma espécie de trilogia da melancolia, antecedidos por um de seus filmes mais famosos, a pequena obra-prima O Homem sem Passado, e o duro, porém otimista, Nuvens Passageiras. Todos eles possuem o estilo inconfundível de Kaurismäki, aliado ao carinho que ele parece depositar em seus personagens, mas nunca como um tipo de compaixão.

Seus filmes têm um grande coração, apesar de um tom geral aparentemente frio e distante, reforçado por atuações “distantes” do elenco (que funcionam mais como comedimento do que inexpressividade). Porque, em Kaurismäki, o afeto parece ser o conforto do homem diante das mazelas e durezas do mundo. E é justamente isso que transparece da triste cena final desse filme.

4 thoughts on “Afeto que conforta

  1. Stella, que pena que não tenha conseguido achar para locar, mas não é tão difícil encontrar para baixar. E pelo menos o cara da locadora se interessou em adquirir os filmes do Kaurismäki. Veja assim que puder.

    Tá vendo, Wallace, agora fica aí com remorso. rsrsr. Veja assim que puder, mas acrescento que é muito próximo dos outros filmes do Kaurismäki, como O Homeme sem Passado. Não acho que seja difícil achar para baixar.

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