Mergulho na fantasia*
O grande arrasa quarteirões de final de ano já está entre nós. E é nada menos que uma continuação de Avatar, 13 anos depois de lançado (e revolucionado a indústria hollywoodiana) o primeiro filme. Avatar: O Caminho da Água é não apenas o retorno de James Cameron ao cinema espetáculo do qual ele é sinônimo, mas também o “reinício” de uma franquia que deve render, pelo menos, mais três filmes nos próximos anos.
O novo logo já está em cartaz nos cinemas – abocanhou grande parte do mercado exibidor no Brasil, prática predatória das grandes distribuidoras – e cumpre sua principal promessa: oferecer o espetáculo visual que marcou o primeiro filme, com destaque para o uso preponderante da técnica do 3D, além de recriar digitalmente não apenas as criaturas azuis do planeta Pandora, como o próprio universo mágico e reverente à natureza que ele representa.
Pela distância temporal em relação ao filme anterior, Avatar: O Caminho da Água precisa reavivar a memória dos que se encantaram pela primeira vez com a trama dos seres humanos que se infiltravam na comunidade dos Na’vi – os nativos de um planeta dominado por recursos naturais abundantes, assumindo literalmente corpos idênticos às das criaturas do lugar, reproduzidos em laboratório.
Reencontramos velhos personagens de antes, como Jake Sully (vivido por Sam Worthington), ex-recruta paraplégico que vive agora integralmente sua versão Na’vi, casado com a bela Neytiri (Zoe Saldana), com quem já teve vários filhos. A família vive feliz em Pandora, dez anos depois dos acontecimentos do primeiro filme, até que um novo ataque dos humanos coloca em risco a sobrevivência de toda a população daquele planeta.
O vilão que coordenada o novo plano de dominação é também um velho conhecido: o coronel Quaritch (Stephen Lang), que ganha sua versão criatura azul, pois ele mesmo, humano, já morreu. O novo ser possui as memórias do seu eu humanóide, a mesma arrogância e ganância. Além de querer dominar o planeta com seus recursos naturais infindáveis, possui um desejo individual de se vingar de Jake que, de pupilo, tornou-se seu rival na trama passada.
Sob a água
Desde quando surgiu no cenário audiovisual, Avatar encantava pelo visual, mas também pela mistura da tecnologia de ponta com as forças da natureza. Os humanos desenvolveram técnicas laboratoriais de altíssima qualidade para adentrar o universo e o corpo dos Na’vi – a troca de consciências, através das cápsulas de transmutação, era um dos atrativos do filme.
Já a dimensão natural ganha força em toda a mitologia de divindades, crenças, histórias dos antepassados, a fauna e flora exuberantes que compõe a vida em Pandora, sempre reverentes às forças ancestrais da Mãe Natureza. No novo filme, é esse segundo aspecto que mais está presente na trama. Mas com uma diferença notável: a floresta dá lugar às profundezas subaquáticas.
Isso porque, com a chegada dos humanos com sua maquinaria de guerra pesada, o acampamento onde eles vivem pacificamente é destruído. Na inevitável fuga, Jake e sua família encontram refúgio com outra comunidade de Na’vis, mas que vivem entre a beira-mar e as profundezas do oceano. Eles são até um tanto diferentes fisicamente: possuem uma coloração de pele de um azul mais claro, caudas maiores que os ajudam a nadar e a capacidade de prender a respiração debaixo d’água.
Com isso, Cameron nos apresenta um novo universo de possibilidades e belezas naturais, ainda que o planeta esteja sob ataque perverso. Jake e Neytiri precisam conquistar a confiança dos chefes da nova comunidade (vividos por Kate Winslet e Cliff Curtis), enquanto seus filhos adolescentes precisam a aprender a lidar com os jovens daquele novo ambiente.
Emoções primitivas
Os conflitos dramáticos do filme, portanto, são diversos porque envolvem vários personagens, com seus desejos e anseios – e esse é o traço mais humano que o filme conserva, independente de se tratarem ou não de criaturas fictícias. James Cameron segue por um caminho do drama a partir dos lugares comuns mais banais: a preservação do habitat natural, a proteção dos filhos, a descoberta do amor, a vingança e a ganância.
Nesse sentido, Avatar: O Caminho da Água não tem nada de inovador. A trama que costura o filme é quase incidental. Cameron não está interessado em criar grandes redes de narrativas complexas e, por isso, as 3 horas e 12 minutos de filme podem soar excessivas. Não porque elas sejam enfadonhas – o ritmo sempre ágil e o deslumbre do visual, cada vez apresentando possibilidades novas de criação e visualidade, não deixam a peteca cair –, mas porque a história pouco avança, especialmente em seu miolo.
É quase como se aquela trama fosse um pretexto não só para o ressurgimento da franquia (que deve explorar o desenvolvimento dos personagens mais jovens), mas também para que o diretor pudesse retornar àquele universo e continuar explorando as possibilidades da tecnologia digital no cinema, com o tanto que ela evoluiu no intervalo entre os dois filmes.
É inegável que o uso do 3D aqui seja conduzido com maestria – vemos em diversos momentos o efeito de sobreposição e afastamento de imagens, especialmente quando se usa a profundidade de campo e é possível sentir a dimensionalidade dos espaços. É inegável também como o movimento dos atores reais (captados inicialmente em estúdio e depois digitalizados na pós-produção) e das criaturas digitais são dinâmicos e realistas.
Mas há de se questionar: Cameron já não tinha feito tudo isso antes? Há algo de realmente inovador nessa empreitada recente? A resposta talvez seja “não”, mas isso não necessariamente diminui a qualidade do filme por aquilo que ele quer ser: um espetáculo visual imersivo. A trama poderia ser realmente mais envolvente, porém vale mais aqui a capacidade de fazer o espectador mergulhar na fantasia e nas emoções mais primitivas.
Avatar: O Caminho da Água (Avatar: The Way of Water, EUA, 2022)
Direção: James Cameron
Roteiro: James Cameron, Rick Jaffa e Amanda Silver
*Publicado originalmente no jornal A Tarde (edição de 18/12/2022)