Curtinhas

O Equilibrista (Man on Wire, EUA/Inglaterra, 2008)
Dir: James Marsh

Em 1974 o francês Philippe Petit atravessou as Torres Gêmeas de um topo ao outro sobre um fio de equilíbrio. Sabe por quê? Era sua paixão, sua ocupação de vida. O documentário O Equilibrista, ganhador do Oscar da categoria deste ano, narra como Petit e sua equipe conseguiu entrar clandestinamente no edifício para realizar a façanha que chegou a julgar impossível. O filme então aproveita para nos apresentar esse homem que fazia do perigo seu modo de vida. O próprio Petit é entrevistado no filme e logo transparece sua personalidade irrequieta, expansiva e brincalhona: um artista. A narrativa intercala as etapas de preparação para a travessia com a trajetória do próprio homem e vai apresentando os amigos que o ajudaram. Utiliza-se de fotos de arquivo e vídeos da época, numa colagem bem amarrada por um roteiro centrado e embalado por uma surpreendente e sutil trilha sonora. Por mais que se utilize do clichê atual dos documentários de dramatizar grande parte das ações narradas, os momentos ficcionais não incomodam por não soarem pretensiosos, mas somente demonstrativos. Além disso, são fotografados num preto-e-branco tão belo que nunca chegam a comprometer o resultado final. Por tudo, o filme acaba se tornando uma bela homenagem ao homem e seu destemor em desafiar o perigo em prol da liberdade.

Tony Manero (Idem, Chile/Brasil, 2008)
Dir: Pablo Larrain

Tony Manero é um filme estranhíssimo. No Chile em plena ditadura de Ernesto Pinochet, Raúl Peralta (Alfredo Castro em ótima performance) é um estranho dançarino que idolatra e imita o personagem Tony Manero vivido por John Travolta no clássico dos anos 70 Os Embalos de Sábado à Noite. A fim de aparecer na TV para ganhar um concurso de sósias de seu personagem favorito, ele vai tentar de tudo, inclusive cometendo assassinatos perversos. A partir daí, Raúl surge como um personagem odioso e imprevisível, moralmente deficiente, mas acima de tudo um miserável, que se assemelha a uma classe baixa chilena oprimida pelo regime, mas que nutre um sonho de estrelato próximo ao utópico. Uma pena que em certos momentos o filme se utilize de uma escatologia exagerada e excêntrica. Mas nada que impeça o novato diretor de utilizar com precisão a câmera na mão em prol de uma narrativa orgânica e nunca disposta a entregar respostas fáceis ao espectador. É interessante notar que o grande ícone do filme é justamente um personagem do cinema norte-americano, país que impõe tanto sua cultura como a força bruta que apoia a ditadura. O filme mantém o discurso político nas entrelinhas porque o verdadeiro foco é seu personagem central e seu mundo sujo. O Tony Manero de ambos os filmes são personagens pessimistas e o que os une, a despeito das diferenças sociopolíticas de cada país, não é somente o gosto pela dança, mas seu estado estanque na sociedade.

Rebobine, Por Favor (Be Kind Rewind, EUA, 2008)
Dir: Michel Gondry

Michel Gondry não é o mesmo sem Charlie Kaufman. Depois do excelente Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, ele achou que podia filmar seus devaneios sozinho. O resultado foi uma bagunça danada, o cansativo, ultrafantasioso e afetado Sonhando Acordado, que de tão maluco nem chegou a ser lançado comercialmente no Brasil. Mas eis que uma ideia original resultou num próximo filme agradável: Rebobine, Por Favor é sobre Mike (Mos Def), o atendente de uma vídeo locadora cujo amigo Jerry (Jack Black) desmagnetizou e apagando vários filmes em VHS do local. Os dois então decidem refilmar algumas obras, o que acaba se tornando um sucesso no bairro. A proposta pode soar boba e ingênua, mas o melhor caminho é não levar tudo tão a sério e entrar na brincadeira. O filme exalta o prazer cinéfilo ao relembrar obras de nosso imaginário que vão do pop comercial (O Caça-Fantasmas, Robocop) aos mais cultuados (2001 – Um Odisséia no Espaço), passando pelos oscarizáveis (Conduzindo Miss Daisy), todos suecados da forma mais trash possível. Mas há uma cena no final que celebra todo o amor pelo cinema: a projeção de um filme dentro de uma loja à noite ultrapassa a vitrine e reúne na rua uma grande plateia. É a força do Cinema em agrupar diversas pessoas em torno de uma mesma paixão.

11 thoughts on “Curtinhas

  1. Desses aí, vi apenas Rebobine. O filme pode não ser divertido do início ao fim, mas é inteligente no conceito e divertido em algumas refilmagens – as menções a 2001 e Hora do Rush são ótimas, sem contar com a do Caça-Fantasmas. Válido também é a dinâmica entre Mos Def e Jack Black, melhores que Gondry, que precisa urgente encontrar seu caminho!

  2. Quero ver os 3, Rafael. REBOBINE, POR FAVOR, por já ter em dvd, deverá ser visto em breve … O EQUILIBRISTA é o que mais quero assistir, vou tentar no Rio. Já TONY MANERO passou na minha cidade, mas acabei bobeando e perdendo … agora só em dvd também.
    Abraço!

  3. Concordo com o que você disse sobre O Equilibrista. Gostei muito do documentário.

    Tony Manero não vi, mas quero ver.

    Já Rebobine, Por Favor… achei esse filme horrível. Eu, como produtor, senti-me ofendido. O povo já acha que é fácil fazer cinema, daí vem o Gondry e reforça essa idéia de maneira tão ridícula que em momento algum consegui rir das paródias. Lamentável.

  4. Então Diego, o filme não é mesmo superengraçado e nem acho o conceito tão inteligente assim, mas pode ser encarado como uma brincadeirinha legal. E mesmo entre os protagonistas eu prefiro mil vezes o Mos Def ao Jack Black.

    Wallace, Tony Manero é o mais difícil de encontrar, mas vale a pena, assim como os outros dois.

    Ita Fred, mas você achou Rebobine, Por Favor mal produzido? Não sei se é a atmosfera trash que pede isso, mas não senti um descuido com a produção. E se ele fosse hiper-produzido meio que trairia a proposta do filme. Acho que você levou muito a sério a ideia e não se deixou envolver pelo filme.

    Que bom, Filipe, que te deixei animado para ver o documentário, vale a pena. E não sou muito expert em James Bond, mas darei uma olhada nessa sondagem.

    Kamila, se você já não gostava do Gondry quando ele trabalhava junto ao Kaufman, imagino que agora ele vai ter menos interesse ainda. Mas quem sabe você não gosta dessa nova brincadeira dele?

  5. Filmaços! Eu achei a escatologia de Tony Manero justificável, uma vez que o tom que o diretor adota é bem naturalista. Acho a frieza e o afinco do protagonista espetaculares! Parece que o outro filme do diretor segue a mesma linha. Chato é que não é fácil de encontrá-lo…

    Abs!

  6. Rafael, semana passada vi BRILHO ETERNO e Gondry me pareceu um cineasta excepcional.
    BE KIND REWIND, aqui bem recomendado, desde o trailer não pareceu interessante, apesar da premissa engraçada, mas você fala mal de SONHANDO ACORDADO – fico na dúvida para tirar a prova dos nove e ver se Gondry é bom ou não sem Kaufman.

  7. Pensando bem Dudu, é mesmo justificável a escatologia do filme, até porque o protagonista é bastante inescrupuloso. E por falar em frieza, aquela cena dele abandonando todos na casa durante a visita dos militares é de uma perversidade e cinismo incrível. Um outro filme do diretor que consegui encontrar para baixar na net foi Fuga, mas não sei se segue essa mesma linha. Quando conferir (e deve demorar um pouco), te falo como foi.

    Gustavo, o Gondry de Brilho Eterno é mesmo sensacional, mas sem o Kaufman não é a mesma coisa. Sonhando Acordado é um porre!

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