Festival Varilux de Cinema Francês – Parte III

A Vida Vai
Melhorar

(Une Vie Meilleure, França, 2011)

Dir:
Cédric Kahn
 
A Vida Vai
Melhorar

é dotado de um ritmo muito bem acentuado e sem esperas. As coisas na vida de
Yann (Guillaume Canet) acontecem de forma muito rápida, com uma propensão
surpreendente de ir mais distante no fundo do poço. Já na primeira sequência do
filme descobrimos que ele é um chef de cozinha com dificuldade de encontrar
emprego. Conhece a bela Nadia (Leïla
Bekhti), sai com ela à noite, dorme em sua casa, logo depois já está amigo
do filho pequeno dela, Slimane (Slimane Khettabi), para no momento
seguinte já estarem fazendo planos para abrirem juntos um restaurante.
É
a partir daí que os personagens se afundam numa mar de dívidas, empréstimos e transações
bancárias que só os levam a mais problemas e sem a possibilidade financeira de
concretizar o negócio. Até o final do filme muita coisa vai mudar no quadro de
vida de Yann, desde um rompimento brutal com Nadia, até o momento em que ele se
vê sozinho tomando conta do filho dela, já que a mulher decide tentar a vida no
Canadá. O uso de fades para pontuar as elipses é dos mais bem-vindos, embora chegue
o momento em que sempre se espera o pior da próxima sequência. Parece não haver
redenção para os personagens.
Guillaume
Canet é uma força de atuação, segurando as pontas de seu personagem com a mesma
garra com que Yann não desiste nunca, sempre buscando novas alternativas, das
mais ingênuas às mais desesperadas, para sair da cascata de dívidas em que se
meteu. É ele quem carrega o fardo de suas próprias escolhas fracassadas e ainda
precisa lidar com os imprevistos que se colocam em seu caminho.
Nesse
sentido, a relação com Slimane, que se mantém durante todo o filme, ganha uma
proximidade entre os dois muito interessante. Yann funciona como uma figura
paterna, embora não pareça ter essa pretensão ou mesmo consciência de assumir
esse papel. Mas é ele quem cuida, se importa e zela pela segurança e educação
do garoto. Apesar dos apertos que ambos passam, o filme consegue ainda encontrar
momentos de pequena alegria para os personagens, como na cena da pescaria no
barco ou quando acompanham o jogo de futebol (entre França e Brasil) do lado de
fora do estádio, o tipo de desprendimento que só faz aumentar a empatia do
público para com esses seres errantes, ao mesmo tempo em que não lhes priva a
possibilidade de alegria, mesmo que contida.
O
diretor e roteirista Cédric Kahn nos faz acompanhar esse calvário cheio de
esperança, mesmo quando as ações desesperadas dos protagonistas apontam para
caminhos não mais virtuosos que eles são impelidos a cometer. Não deixa de ser irônico
o momento em que Yann recrimina Slimane por ter roubado um tênis numa loja (ele
diz: “ladrões não entram nesta casa”) quando ele mesmo terá seu momento de impulso
desesperador.
Mas
agora não existem mais bons e maus, coitados e culpados, mas sim a pura lei de
sobrevivência e, principalmente, a vontade de continuar tentando, por mais
desfavoráveis que sejam os ventos. O título desse filme remete então a um
desejo que luta por se renovar a cada nova sequência, a cada novo passo incerto
de seus personagens, a cada novo destino. É um filme duro, mas de onde brota uma
sincera esperança.
Aqui Embaixo (Ici Bas,
França, 2012)
Direção:
Jean-Pierre Denis

Aqui Embaixo
é um filme
sobre descrenças. Se a fé da Irmã Luce (Céline Sallette) vai sofrer seu abalo
em dado momento, ela também vai aprender a não confiar nos homens, aqui no
sentido de sexo masculino mesmo, através do amor proibido que começa a nutrir
justamente pelo pároco Martial (Eric
Caravaca) que está prestes a abandonar a batina, também ele insatisfeito
com seu lugar no mundo.
A
desilusão é então uma marca que o filme imprime à vida dessa freira tão
dedicada às coisas de Deus, tida como um exemplo de fervor e devoção dentro do
convento. Existe ainda na história um subtexto politizado já que se passa no ano
de 1943 quando a França sofria com a ocupação nazista, enquanto o movimento de
Resistência lutava contra as forças inimigas. Eram tempos difíceis, período de
incertezas e desconfianças, refletindo muito bem no caráter da descrença religiosa
que persegue os personagens.  
Mas
há um problema de abordagem no longa. Ao lidar com sentimentos muito
contraditórios dos personagens, em especial da Irmã Luce, nem sempre transmite consistência
a toda essa dúvida interior que ela carrega. O filme prefere pontuar várias
situações (como a relação ora amigável, ora conflituosa com as outras freiras e
também com a madre superiora), do que se deter em momentos que possam dar mais
significação aos conflitos internos dos personagens. Somente na segunda metade
do filme que a situação vai, inevitavelmente, se afunilando para cercar a
freira em sua desilusão (e o ato final dela é cheio de coragem e amargura).
Uma
pena esse tratamento um tanto irregular do roteiro porque o trabalho da atriz Céline
Sallette é de entrega total, seu olhar espelhando a todo o momento uma
necessidade de se realizar, de encontrar felicidade, desejo que se transparece na
sua atitude por vezes decidida, ainda que ela não deixa de questionar a Deus
sobre quais os caminhos certos a seguir (e aqui o filme não consegue definir
bem o quanto a personagem é temente ou, ao contrário, convicta do que quer
fazer). Mas Luce não é passiva, ela pode estar cheia de dúvidas, mas age
segundo suas convicções de momento e não hesita em tomar atitudes sérias e
corajosas.
Em
uma cena forte do filme, Luce e Martial estão escondidos numa cabana e não
resistem ao desejo, transando ali mesmo no chão do local, desajeitadamente,
como prova da inexperiência dos dois. A impressão é quase a de que ele a forçou
àquilo, se desculpando depois por ter “roubado” a “virtude” dela, ao que ela contrapõe
afirmando que aquilo só aconteceu porque ela quis. O maior impedimento de Luce
então não são suas convicções ou os preceitos religiosos, mas a aceitação do
outro, a sincronia de desejos. Mas nem sempre se pode confiar neles.

2 thoughts on “Festival Varilux de Cinema Francês – Parte III

  1. Você tá falando de A Vida Vai Melhorar, é isso Amanda? Bem, esse título é mesmo enganador, mas é nessa confiança que o protagonista se fia a todo momento, e acho isso muito bonito.

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