Festival Varilux (parte IV): Poder às mulheres


Potiche – Esposa Troféu (Potiche, França, 2010)

Dir: François Ozon


É muito interessante acompanhar os movimentos de um cineasta como François Ozon que a cada novo filme parece se interessar por um estilo ou gênero diferente, oferecendo produtos os mais diversos. Depois do drama intimista em O Refúgio, o conto social de caráter fantasioso com o adorável Ricky e o melodrama de época no subestimado Angel (só para ficar nos três últimos), ele volta com essa comédia de tons feministas e retrô, assumindo o kitsch com consciência total.

Suzanne Pujol (Catherine Deneuve) é a esposa do industrial Robert (Fabrice Luchini), mulher obediente, passiva, tudo aceita e faz vista grossa à infidelidade do marido; um objeto de decoração. Quando os funcionários em greve na fábrica sequestram seu marido e a reputação do dono parece bastante negativa diante da crise, Suzanne assume a chefia da empresa com seu toque de empreendedora feminina.

A reviravolta revela não só uma mulher muito mais proativa e inteligente, como abala as estruturas de seu casamento de fachada, fazendo revelar os segredos de todos na família. A esposa troféu do título dá lugar a uma mulher muito mais consciente de sua posição e poder de mando. Embora vivesse fechada num casamento de aparências, aproveitou muito bem sua juventude.

Por mais que o filme se passe num ambiente burguês “asséptico” e francês, em fins da década de 70, Ozon não deixa de revelar um despudor cômico na forma como trata (e mostra) sexo, traição, filhos fora do casamento. Também o tom “politizado” e mesmo algumas situações de tensão são tratadas com muita graça pelo roteiro.

Nesse sentido, é bastante visível a segurança com que o cineasta lida com os excessos dramáticos da narrativa, criando uma atmosfera farsesca deliciosa, que se aproxima bastante do seu 8 Mulheres, tanto no kitsch como no feminista, e em menor grau também de Angel, colocando em alto posto o papel da mulher na sociedade. Além disso, direção de arte e figurinos vistosos dão mais charme ainda a esse tom over proposital.

Catherine Deneuve, elegantíssima, surge irrepreensivelmente luminosa em cena, embora haja espaço para a presença marcante de Gérard Depardieu como o político e ex-amante de Suzanne; de Karin Viard como a secretária e amante de Robert, que de megera passa a apoiadora da causa feminista de Suzanne. Mas talvez Fabrice Luchini, como o esposo sacana, seja o melhor em cena, preocupado e espertíssimo.

Mesmo que promova uma bela guerra de sexos, Potiche sabe administrar muito bem os lugares da mulher, sem perder sua própria feminilidade. Suzanne, em algum momento, afirma, ingenuamente, “eu sou uma mulher” (que parece remeter gostosamente a Uma Mulher é Uma Mulher, de Jean-Luc Godard). Mas é daquelas cujo poder estava a todo tempo ali, só precisou de uma ajuda para se revelar, mas nunca para atropelar. Seu troféu é por outra vitória.

Uma Doce Mentira (De Vrais Mensonges, França, 2010)
Dir: Pierre Salvadori


Dona de um salão de beleza recebe uma carta anônima de amor. Sem motivo aparente, despreza o admirador secreto, mas resolve enviar a carta para a mãe, mulher solitária e abandonada pelo marido, à beira da depressão. A sinopse já parece ridícula por si só (a ideia é ajudar a mãe ou bagunçar a vida dela?). Como se não bastasse, o diretor Pierre Salvadori já havia feito com a mesma Audrey Tautou a fraquinha comédia romântica Amar… Não Tem Preço.

Mas como é preciso sempre ter esperanças de que as pessoas (e seus filmes) melhorem, lá fui eu ver Uma Doce Mentira nesse último dia de Festival Varilux, mais até para fechar agenda. Que arrependimento porque salta aos olhos as tentativas fracassadas de fazer piada, idiotizando os personagens (grande problema das comédias) na maioria das vezes.

Logo no início, Emilie (Tautou) briga com uma cliente sobre o melhor corte de cabelo que ela deve adotar, só para que ela corte, sem aviso e irreversivelmente, a franja da pobre mulher. Em outro momento ela fala ao celular com uma de suas empregadas no salão estando a poucos passos dela, isso só porque ela não quer olhar diretamente para Jean, que trabalha com serviços gerais no estabelecimento e se revela um grande intelectual, mas atualmente em crise, por isso a escolha por um emprego tão insólito (mal sabe ela que ele é o verdadeiro autor das cartas).

De qualquer sorte, o filme forja essas situações que pouco têm de engraçadas, mas que assim o querem. Se Sami Boaujila, como o atormentado apaixonado, é acometido do mesmo mal de roteiro, quem melhor se sobressai é Nathalie Baye vivendo a mãe da protagonista, agindo somente por impulso, disposta a encontrar um amor e resgatar sua autoestima, rendendo boas tiradas, como quando persegue Jean na rua de camisola e descalça.

O filme conta ainda com uma série de reviravoltas, como se houvesse uma necessidade de a todo momento surpreender com uma perspectiva nova para os personagens. Cansa na mesma medida em que pelo menos dá ritmo à narrativa, mas perde muitas vezes em plausibilidade, em detalhes que muitas vezes passam despercebidos o expectador. E isso sempre carrega um quê de enganação.

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