La Chimera / Entrevista com Carol Duarte

Arthur (Josh O’Connor) tem o dom para encontrar artefatos ancestrais em covas antigas, mas não consegue reencontrar o antigo amor de sua vida. Ele acabou de sair da prisão e retorna para o círculo de amizades a que pertence, mas a bela Beniamina é agora apenas uma vaga lembrança, já que ninguém mais sabe o paradeiro da moça. Essa é a sua quimera, título do novo filme da italiana Alice Rohrwacher.

Arthur é acolhido na casa de Flora (Isabella Rossellini), mãe de Beniamina e professora de canto que vive rodeada de alunas a orbitar por aquela casa, em especial Italia (a brasileira Carol Duarte), estudante (desafinada) e espécie de empregada do lugar, que esconde os dois filhos que carrega consigo.

Em conversa exclusiva com A Tarde, a atriz falou que entrou no projeto por indicação de Hélène Louvart, diretora de fotografia desse e dos longas anteriores de Rohrwacher, e que também assinou a fotografia de A Vida Invisível, de Karim Aïnouz, protagonizado por Duarte.

“Eu recebi uma mensagem da equipe da Alice para conversar com ela sobre o projeto. Fizemos por videoconferência, eu estava no Brasil, ela na Itália. Pediu para eu fazer o teste em italiano. Foi muito rápido. Depois de 10 dias, eu já estava na Itália para começar o trabalho com ela”, contou a atriz.

A personagem de Carol Duarte surge como uma espécie de possibilidade amorosa para Arthur, também iluminando o filme com sua presença faceira e ingênua. Mas o coração do rapaz ainda bate por Beniamina. E ele pertence mesmo aos “tombaroli”, grupo de larápios que assaltam túmulos antigos para encontrar peças de arte ancestrais – no caso do filme, são as covas do povo etrusco, encontradas na região centro-sul da Itália – a fim de vendê-las no mercado informal e escuso de obas de arte.

Os filmes de Rohrwacher parecem habitar um universo muito próprio, com algumas possibilidades insólitas e fantasiosas, mas também muito crus na sua realidade palpável – a diretora adora filmar em película de diversos formatos, o que confere ao filme uma textura granulada que remete ao passado.

Somado a isso, há também um sentido de coletivo muito latente em suas obras. Os ambientes familiares de As Maravilhas e Feliz como Lázaro são bem demarcados, e todos esses elementos estão presentes aqui em La Chimera.

“Às vezes, as histórias dos filmes dela parecem de certa forma improvisadas, mas sabemos também que ela roteiriza seus próprios filmes e tem o domínio do que deseja contar. Ela sabe direcionar os atores, mas de uma maneira muito particular”, revelou Duarte sobre sua relação com a diretora e o método de trabalho conjunto, sendo este apenas seu segundo filme como atriz, e o primeiro internacional – ajudou muito o fato dela já saber falar um pouco de italiano.

Em busca da Italia

Filmado no início de 2022, ainda saindo da pandemia, o elenco teve pouco tempo de preparação. Duarte contou que, diferente de A Vida Invisível, em que se buscava pensar sobre a gênese da personagem, de onde ela vinha e qual seria o seu futuro, em La Chimera isso não funcionava. “Alice escreve personagens que têm uma beleza no presente. A gente foi descobrindo a personagem juntas, no próprio set de filmagens”, revelou.

Demora um tanto para que o filme nos situe nesse ambiente povoado por tipos inusitados e nas relações por vezes incertas que se estabelecem entre os muitos personagens que passam a circundar a trama.

La Chimera começa um tanto confuso – ou apenas animado demais – e vai entrando nos eixos quase que por encanto, na medida em que o protagonista continua sua busca silenciosa por entre os resquícios da terra e do tempo, além de iniciar certo interesse em Italia – ou seria dela nele?

“É muito curioso que a Alice escolha uma atriz estrangeira para se chamar Italia. E um protagonista inglês, que não fala tão bem a língua italiana, mas que escava aquela terra. Dentro da poesia, da beleza do cinema dela, vamos criando certa visão de mundo e do próprio país. A cinematografia dela é muito conectada ao lugar onde ela está filmando”, arrematou a atriz.

Rohrwacher filma com interesse até mesmo os personagens mais secundários, dando-lhes atenção quando lhe convém, e isso espelha uma lógica do encontro. É como se a câmera fosse seduzida por essas pessoas, seguindo-as, ouvindo-as e sentindo seus anseios e pulsões, também “abandonando-as” pelo caminho quando necessário.

É assim também com o protagonista que se movimenta com parcimônia e mesmo certa apatia no decorrer do longa, ainda que sejam os seus dilemas existenciais que guiam a trama. Arthur que encontrar os objetos e ficar rico, é claro, mas existe nele uma necessidade de completude que se dá no campo íntimo, amoroso.

Nesse ponto, a personagem de Carol Duarte deixa de ser um mero capricho para se tornar um farol – imaginável e concreto, além de luminosa na sua simplicidade, até mesmo com alguma ignorância –, palpável diante da desolação do mundo ao redor de Arthur. O amor, enquanto busca, pode ser essa quimera. Para ele, é também uma relíquia, que só se alcança no encontro com o invisível.

La Chimera (Idem, Itália/França/Suíça, 2023)
Direção: Alice Rohrwacher
Roteiro: Alice Rohrwacher, Carmela Covino e Marco Pettenello

*Publicado originalmente no jornal A Tarde (edição de 27/04/2024)

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