Mostra Cinema Conquista – Parte I

Reviramundo (Idem, Brasil,
2004)
Dir:
Glauber Lacerda

Na
primeira cena de Reviramundo, Geraldo
Sarno se recusa a repetir à equipe do filme um certo depoimento, ao que o
diretor Glauber Lacerda, atrás das câmeras, compara sua atitude com uma das
entrevistadas de Sarno em seu Viva Cariri!
(1970). Corte para a cena do exato momento em que isso se dá no curta. Essa primeira
sequência de Reviramundo é ao mesmo
tempo um despiste e uma apresentação do próprio dispositivo da narrativa: homem
e obra não se separam.
É
essa figura aparentemente ranzinza – ainda que sorridente – que vai se relevar
o cineasta consciente de sua obra, o profissional gentil que sabe refletir sobre
o seu tempo e, principalmente, o homem que relembra, in loco, suas origens. O retorno de Sarno à cidade natal de Poções,
no interior da Bahia, é o mote desse filme que faz valer um retrato
interessante de uma figura tão proeminente da cultura cinematográfica
brasileira, e menos uma mera homenagem com tom de adoração.
A
obra de Sarno está presente aqui nas várias cenas de seus filmes– alguns raros –,
intercaladas com as memórias e depoimentos do cineasta. E é dessa contraposição
que Reviramundo se alimenta para se
construir como narrativa.

Por vezes o ritmo do filme balanceia, as
conversas tomam rumos diversos e as imagens documentais vacilam. No final, os
letreiros dos créditos aparecem quando Sarno ainda tem mais a dizer, acaba
abruptamente. Glauber Lacerda, em seu curta-metragem de estreia, não parece
esconder a admiração por Sarno. Talvez por isso sua trajetória se aperte num
curta que não quer acabar, a voz de Sarno insiste em continuar na ativa. Que assim
permaneça.

Revoada (Idem, Brasil,
2014) 
Dir:
José Umberto Dias

Foi
um processo árduo para que José Umberto Dias pudesse terminar seu
longa-metragem a contento. Revoada é
um olhar pessoal para o universo sertanejo do cangaço e seus elementos míticos.
O filme abriu a Mostra Cinema Conquista e trouxe para a tela do Centro de
Convenções Divaldo Franco um frescor narrativo muito bem-vindo a esse tipo de
história.
O
filme segue um grupo de cangaceiros a partir do dia em que Lampião e seu
séquito são mortos. É a tragédia anunciada que decreta o começo do fim de uma
era de banditismo e resistência no cangaço. Os remanescentes encontram-se,
então, no dilema entre fugir ou se entregar para os milicos.
A
escolha de José Umberto é menos fazer um apanhado de cunho histórico e mais uma
alegoria visceral, ainda que o filme permaneça num mesmo tom até o fim. Corisco
e Dadá, os mais fieis seguidores de Lampião, sobreviventes da chacina que matou
o líder, surgem diluídos em outros personagens, nunca explicitamente nomeados.
Mas
são suas figuras de resistência e destemor que perpassam pelos tipos de
cangaceiros que cruzam a narrativa. Uma pena que ela se acomode nesse viés apocalíptico,
com ênfase na urgência e dureza de atitudes que a situação exige, e permaneça sempre
no mesmo tom, até o fim.
O
filme, então, chama mais atenção pelo vigor estético, longe de uma construção classicista.
Seria mesmo um lugar-comum evocar aqui um tom cinemanovista, especialmente com
ecos do Glauber Rocha mais irado, do Ruy Guerra mais visceral, mas de fato é
uma impressão forte que se tem vendo o filme. Há algo de potente nessa narrativa,
via cortes rápidos e secos, diálogos sobrepostos e câmera em movimentos
bruscos. 

É certo que por vezes esse frenesi esconde certo
atropelar de cenas e situações, fazendo o filme merecer uma revisão para
atestar seu vigor consciente (e um áudio melhor que o ouvido na sessão de
abertura). Ainda assim, é muito bom ver uma representação de sertão que não
seja somente o da seca e do sol castigador, com os mesmos tipos reprocessados.
E que também se disponha a uma liberdade criativa que põe atento o espectador.

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