Yorgos Lanthimos está no cinema para provocar. Depois de compor uma onda recente de cinema grego especializado em filmar gente estranha fazendo coisa esquisita, em que tudo é justificado por conta da crise na Grécia, Lanthimos carregou seu toque de bizarria para o cinema de pretensões mainstream, agora falado em inglês e com atores hollywoodianos. A Favorita é o seu novo ataque às instituições e o objetivo parece revirar do avesso o filme de época e de intrigas palacianas, tão associado ao cinema clássico e ao melodrama.
O diretor quer acrescentar um tanto de sujeira nesse ambiente tão pomposo – ainda que seja uma sujeira calculada, feita para demarcar um estado de porcaria inerente ao círculo da alta sociedade inglesa e que, posteriormente, sugere depravação e todo tipo de conduta condenável e torpeza humana. O cineasta claramente despreza seus personagens – a realeza fede e chafurda na lama – e isso faz deles meros marionetes que o filme manipula sem escrúpulos já que lhes fogem a moral.
Para ilustrar a imundice, o diretor e seus roteiristas utilizam a disputa de atenção e poder em torno da rainha Anne (Olivia Coleman), sem esposo, tão frágil e incompetente que quem governa e dita as regras em seu lugar é sua fiel escudeira Lady Sarah (Rachel Weisz). Mas o “reinado” de Sarah é ameaçado com a chegada de Abigail (Emma Stone), parente distante da lady que, de serviçal, quer galgar títulos maiores ao lado da rainha. Os homens são peças ilustrativas (menos, talvez, o lorde de Nicolas Hout que também planeja seus movimentos de manipulação) e também não escapam do patético – a rainha não tem marido e a Inglaterra, em plena guerra com a França, precisa de alguém de pulso firme.
Mas nem é preciso se alongar muito nisso porque as dimensões políticas do contexto da Inglaterra do século XVIII importam pouco ao diretor. Está formado ali o teatro de guerra íntima e interpessoal que vai ser a tônica do filme do início ao fim. Descobrem-se os segredos, manipulam-se as informações, dissimulam-se os comportamentos, afloram os desejos, e o que Lanthimos precisa fazer é jogar o jogo dos tronos, indo de lá para cá com as intrigas entre as duas “favoritas” que vão se revezando no topo da influência sobre a monarca. A narrativa possui ritmo e cadência, é certo, mas a partir do momento em que se decodifica esse vai e vem de ardis, fica perceptível uma estrutura engessada e redundante de roteiro.
Para disfarçar o perfil esquemático e tentar imprimir uma marca, Lanthimos, para além da bizarria, não perde a oportunidade de apresentar seus toques de esperteza, que vão desde a divisão do filme em capítulos, todos eles com títulos engraçadinhos e inusitados, até o uso daquela grande angular que, volta e meia, distorce a imagem – mais uma vez a tentativa de metaforizar um mundo torto e torpe –, mas que soa mesmo como preciosismo e perfumaria.
É preciso, porém, dar um destaque positivo para o trio de atrizes que sustenta a história, indubitavelmente um dos trunfos do filme, mesmo para quem torce o nariz para a pretensão travestida de “novidade” de Lanthimos. Assim como o filme equilibra o protagonismo entre as três, o talento na construção e defesa de suas personagens é também semelhante. Weisz, Stone e Colman têm, todas elas, ótimos momentos, juntas ou solo, e não deixa de ser uma pena que o roteiro maltrate tanto as personagens para que assim elas possam caber nos padrões doentios de comportamento que o cineasta explora a exaustão em seus filmes (curiosamente Colman é quem mais sofre com isso aqui e, por ironia, foi justo quem venceu o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza).
O próprio diretor constrói momentos competentes – a cena em que Abigail descobre em flagrante, protegida pela escuridão, certo segredo de Sarah e Anne, por exemplo –, mas a vontade de ultrapassar a linha do tradicional e apostar na surpresa e na virada inesperada de roteiro falam mais alto – algo muito semelhante ao que acontecia no longa anterior do cineasta, O Sacrifício do Cervo Sagrado. Isso faz de A Favorita um filme que se quer astuto, que tenta transparecer inteligência e perspicácia, mas está mais próximo do oportunismo mesmo.
A Favorita (The Favourite, Reino Unido/Irlanda/EUA, 2018)
Direção: Yorgos Lanthimos
Roteiro: Deborah Davis e Tony Mcnamara