Mostra SP: Arturo aos 30

O filme anterior do cineasta argentino Martín Shanly chamava-se Juanita a los 12 (que eu não vi). Seu novo e segundo longa é este Arturo aos 30, e fica claro que o diretor tem certa predileção para os conflitos existenciais que marcam as fases de transição (seja a entrada na adolescência ou na vida adulta mais responsável). São comuns as crises que acometem os sujeitos perto dos 30, ali no retorno de Saturno, e a que acomete Arturo não poderia ser mais destrambelhada e pintada com certa ironia.

Talvez se perguntássemos ao personagem, ele nem sequer afirmaria estar vivendo a tal crise dos 30, muito porque a vida dele mais parece um conjunto de decisões erradas e acidentes de percurso que, na soma, revelam um jovem sem muitos rumos. A própria estrutura em flashbacks do filme não permite identificar um ponto certeiro de agravamento, mas sim um contínuo de descaminhos. Ele tenta encontrar seu lugar num mundo pós-pandemia, na Argentina, vindo de uma família de classe-média alta

O filme ainda parece se desdobrar em camadas interpostas, não só porque o diretor é também o ator protagonista aqui, como também tinha 30 anos quando o filme foi desenvolvido – ali prestes a entrarmos nos anos de covid, como fica evidente em algumas falas e atitudes dos personagens, o uso de máscaras etc. No entanto, não é o caso de espelhar autor e obra aqui, primeiro porque sabemos bem pouco sobre a biografia do diretor; e também porque essa correlação direta entre o que é ou não de fato biográfico na concepção do personagem nos interessa muito pouco enquanto modo de entendê-lo e encará-lo na sua estagnação – profissional e emocional.

Mas não deixa de ser um jogo interessante pensar os (des)caminhos de Arturo como uma comédia de erros, começando com um acidente de carro que ele sofre junto a outras pessoas voltando do casamento de uma de suas melhores amigas. A partir daí o filme embaralha tempos, mas sempre encontra o personagem tentando se encaixar de alguma forma.

É o tipo de estrutura narrativa que revela aos pedaços as nuances da rotina e estilo de vida do rapaz, bem como suas dinâmicas sociais. Sem poder bancar as despesas de morar sozinho, ele volta para a casa dos pais – ausentes naquele momento – e acaba tendo de servir de “motorista” para a irmã mais nova, que parece rejeitar o irmão mais velho, típicos dos adolescentes.

Seu círculo de amizades também surge com importância na trama, ainda que ele se sinta deslocado em algumas ocasiões, como durante a festa de casamento, para a qual iremos voltar depois. E é só depois da metade do filme que descobrimos sua predileção sexual      a partir do reencontro com seu ex-namorado – por quem, aliás, ele ainda é loucamente apaixonado, o que rende momentos de vergonha alheia hilários.

Dito assim, a vida de Arturo pode parecer um grande desastre, coisa de inferno astral, mas o filme registra tudo isso com muita leveza e certo despropósito, como se cada mancada fosse por acaso, formando uma espécie de comédia circunstancial que não quer também soar nada profunda ou séria demais. Talvez seja essa falta de pretensões o que não permita ao filme aprofundar esse deter sobre os dilemas do personagem, mas rende boas risadas no meio do caminho.

Arturo aos 30 (Arturo a los 30, Argentina, 2023)
Direção: Martín Shanly
Roteiro: Martín Shanly, Ana Godoy, Federico Lastra e Victoria Marotta

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