Mostra SP: Fábulas Ruins

Na esteira dos filmes de crueldade que querem causar comoções e choques pelas maldades que exalam, esse modismo já desgastado do cinema contemporâneo, nos chega Fábulas Ruins, dirigido pelos jovens irmãos Damiano e Fabio D’Innocenzo, que prometem herdar esse cinema de incômodo que tem feito sucesso nos festivais mundo afora – filhos bastardos de gente como Michael Haneke e Lars Von Trier.

Não há nada demais em angariar para seus filmes uma predisposição em fazer fluir tal sentimento de inquietação através do impacto e do soco no estômago, seja de forma mais gráfica visualmente falando, seja de modo mais emocional. O problema nesse tipo de abordagem é quando ele é feito da forma mais dissimulada e infantil possível (daí que a expressão enfant-terrible seja tão adequada para a situação), sem a consistência de tantos filmes que conseguem engrossar a situação e dimensiona-las nas suas complexidades (filmes de gente como Michael Haneke e Lars Von Trier, em seus melhores momentos).

Fábulas Ruins é um exemplo bem claro disso na medida em que seus personagens – ou pelo menos todos os adultos do longa – são irremediavelmente maus, irresponsáveis, grotescos e grosseiros, machistas e oportunistas, simplesmente pelo prazer que o filme tem em desenhá-los assim, como seres desprezíveis. É uma saída no mínimo fácil porque só assim esses personagens poderão concretizar, sobretudo sobre as crianças (seus filhos), atos de violência gratuita, abuso e comportamentos hipócritas sem que o filme precise justificá-los de alguma maneira.

E isso se revela na própria forma com que muitas cenas são filmadas, escolhas de encenação que reforçam esse tipo de busca por uma inquietação desmedida. Logo no início do filme uma família janta no jardim quando o filho pequeno engasga à mesa; o pai tenta ajudar em vão e a situação progride em tensão porque o garoto não consegue desengasgar  e o ar começa a lhe faltar, provocando um desespero desmedido em todos ali presente. Pois os irmãos D’Innocenzo escolhem filmar essa cena de longe, com planos distantes e estáticos, denotando certa frieza e apatia em relação àquilo que estamos vendo.

É como se o filme, na ânsia de colocar o espectador como testemunha de situações limites e/ou revoltantes, fosse ele mesmo indiferente àquilo que está sendo mostrado – e a indiferença é um grande ponto negativo para quando se busca angariar qualquer comoção do público, por exemplo. Na medida em que uma obra parece pouco se importar com seus personagens, como se fossem meros bonecos numa trama inventada, por que nós, espectadores, deveríamos nos importar com eles também?

Fábulas Ruins constitui-se, portanto, como um apanhado de situações como essas cujo maior efeito é impactar, mas o próprio filme se trai porque acaba provocando um distanciamento que impede um mínimo de empatia. E se as crianças são vistas na trama como as principais vítimas desse círculo vicioso de comportamentos grotescos, nem isso faz com que o espectador se sinta comovido porque os meios de transmissão das atitudes malvadas e questionáveis dão-se de modo tão pouco cerimonioso e grosseiro, que o filme recai na mesma esfera de indiferenças e nulidades.

Ao situar sua trama nos subúrbios de Roma, em meio a diversos personagens de distintas famílias, o filme acentua ainda um preconceito de classe porque supõe uma maior propensão às vicissitudes e maus comportamentos arraigados na formação individual e social daquelas pessoas pelo simples fato delas viverem na periferia de uma grande cidade europeia. Mais uma vez, o inferno são os outros, mas eles que se danem.

Fábulas Ruins (Favolacce, Itália/Suíça, 2020)
Direção: Damiano D’Innocenzo e Fabio D’Innocenzo
Roteiro: Damiano D’Innocenzo e Fabio D’Innocenzo

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