O cinema de investigação geográfica, algo que parece configurar parte fundamental nos filmes do diretor espanhol Lois Patiño, ganha um desdobramento muito curioso e vivaz nesse Lua Vermelha, filme que ao mesmo tempo reverbera as preferências experimentais do diretor, mas com um fio de trama que permite um fluxo narrativo mais palatável, ainda que dotado de certos enigmas.
Estamos numa vila de pescadores na costa da Galícia, noroeste da Espanha, e logo de início os letreiros iniciais dão conta de que um dos pescadores não voltou do alto-mar depois de uma tempestade inigualável. Esse é o mote para que Patiño registre um ambiente que sente nas entranhas – e tudo é filmado como se o lugar fosse um ser vivo a reagir às alterações que se passam ao redor – não só a ausência do homem, mas também percebe algo estranho e medonho a pairar no ar que remete a algo muito mais assustador e na iminência de despertar.
Junta-se a isso a jornada incansável que a mãe do rapaz empreende em busca do filho, vivo ou morto, diante da tragédia, contando com a ajuda de outras mulheres, transfiguradas agora em bruxas, ela mesma assumindo-se como tal. Elas passam a limpo os quatro cantos do lugar, enfeitiçando ou evocando forças sobrenaturais a fim de parar o tempo, imobilizar os indivíduos – mas não é capaz de frear as forças do destino ou da Natureza insondável.
Patiño filma com languidez e morbidade, instaura um clima de terror e tensão constantes – mas sem percalços ou sobressaltos, tudo transcorre na mais tenebrosa calmaria – até alcançar um clímax em que as coisas se exasperam um pouco mais. Mas no geral, o realizador mantém o clima de inquietação, dilata o tempo e alonga a duração dos planos que seguem calmamente investigando os espaços daquele lugar suspenso na realidade. Brinca com a construção sonora, sempre muito onipresente e sugestiva de algo pesado na atmosfera, bem como com os tons da fotografia que faz alusão ao título do filme.
Todo esse esforço de encenação peculiar torna Lua Vermelha uma experiência particular e muito consistente enquanto proposição sensorial, na mesma medida desafiadora na forma como interpela o público e o traz para dentro daquele ambiente maravilhoso e hostil, e também recompensadora para quem se entrega a esse tipo de proposição narrativa (em que a experimentação visual ganha contornos palatáveis no encaminhamento lógico dos fatos que se desenham estranhamente ali). Eis um equilíbrio difícil de alcançar.
O filme parece funcionar dentro de uma lógica interna que nunca se agita, nunca se desestabiliza, nem mesmo quando as coisas ganham uma proporção mais desconcertante (e talvez simbólica?) no final do filme, que se resolve pela ação e não por algo que vinha sendo apenas prometido e prenunciado até então. Patiño demonstra segurança naquilo que filma e na carga atmosférica que o filme costura porque mergulha de cabeça na fábula e nos prenúncios da fantasia para compor uma trama única de morte e sobrevida.
Lua Vermelha (Lúa Vermella, Espanha, 2020)
Direção: Lois Patiño
Roteiro: Lois Patiño