Mostra SP – Parte I


Dois Dias, Uma
Noite

(Deux Jours, Une Nuit, Bélgica/França/Itália, 2014)
Dir : Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne 

A
escrita fílmica que os irmãos Dardenne construíram em sua carreira parece cada
vez mais sólida. E pelo visto eles estão longe de querer fugir dessa zona de
conforto. Câmera trêmula filmando as pessoas de perto, situações-limite,
personagens em movimento constante, apego ao plano-sequência, questões de cunho
social – aqui financeiro e trabalhista – como mola propulsora da narrativa,
realismo de urgência.
Tudo
isso está em Dois Dias, Uma Noite. Se
o filme transparece tão concisamente uma sensação de dèjá vu na encenação, é compreensível exigir mais do roteiro,
talvez aí uma fragilidade do filme. De perto, há algo de maneirista na forma
como a protagonista busca reverter sua situação na iminência de perder o
emprego. Há algo de calculado no desdobrar das situações que parecem estar ali
para reforçar a crítica social que se quer tecer.  
Sandra
(Marion Cotillard) começa o filme sendo demitida do emprego. Por pressão de seu
supervisor, os colegas de trabalho votaram para que ela saísse em troca de uma
bonificação financeira para cada um deles. Agora, o trabalho de Hércules de Sandra é
tentar convencer os colegas, um a um, numa nova votação, a abrirem mão da grana
para que ela continue no emprego.
Essa
é uma forma inteligente dos Dardennes apertarem a ferida da crise financeira europeia.
É no confronto de Sandra com seus colegas que a situação ganha dimensões
palpáveis porque cada um deles, assim como ela, enfrenta problemas
diários, têm contas a pagar e estão com a corda no pescoço. Por mais que o
dispositivo narrativo soe repetitivo, o filme nos faz torcer por essa mulher
impelida a agir em prol do sustento do seu lar.
E
é difícil negar como Cotillard é o grande trunfo aqui. Curioso pensar nela como
a força do filme quando sua personagem marca-se justamente pela fragilidade, quase
que obrigada pelo marido (Fabrizio
Rongione) a ir à luta. Carrega um histórico de depressão sugerido pelo
filme e junta força nos remédios para seguir sua jornada.
Daí
que não basta o problema que é ter de convencer a todos, há ainda o conflito interno
de se dispor a empreender aquela jornada. A protagonista é posta em ação desenfreada,
o tempo a seu desfavor. Tudo isso para que Sandra, ao fim, reforce sua
dignidade. É mais uma protagonista dardenniana torta, mas pulsante, ainda que sob
a força cruel das circunstâncias.
Leviatã (Leviathan, Rússia,
2014)
Dir:
Andrey Zvyagintsev 

De
dureza parece viver uma parte do cinema russo recente. Leviatã é mais um exemplar de porrada bem dada no espectador –
podemos pensar aqui nos trabalhos-pancada de um Sergei Loznista, por exemplo. O
filme de Zvyagintsev, prêmio de roteiro no último Festival de Cannes, é uma das
sensações da Mostra, rígido e bravio tal qual a própria região onde os
personagens circulam.
O
mecânico Nikolai (Aleksey Serebryakov) vive com sua família numa região ao
norte da Rússia, lugar que o prefeito da cidade (Roman Madyanov) quer
desapropriar para ficar com o terreno. Mas não se engane pensando que o que se
trava aqui é um luta de desiguais, o poder público contra o morador coitado.
Nikolai, assim como sua esposa e filho pequeno, são de uma brutalidade imensa, vivem
uma espécie de relação de amor e ódio, alteram a voz quando bem entendem, se enfrentam o tempo todo.
É
aí que o embate com a administração pública se dá de forma a mais calorosa
possível, o grito e a violência parecem ser o meio mais apropriado para
resolver os conflitos. Soa tão naturais para aqueles personagens agir assim que
exala daí um senso de humor curioso em alguns diálogos, mas nada que desvie a
atenção da natureza brutal da história.
Certamente
que as representações do Estado e sua soberania autoproclamada trata de esmagar
quem estiver atrapalhando o caminho. Aqui, instituições como a justiça e
religião marcam presença forte como norteadores do destino das pessoas, com sua
moral oblíqua a serviço dos mais poderosos.
Nikolai,
mesmo repleto de defeitos, é a pedra no sapato que se torna a vítima oprimida,
ainda que ninguém use (ou queira usar) a máscara da inocência. Os
desdobramentos para seu “desalojamento” complicam a vida de todos ao redor. Zvyagintsev
filma com rigor e precisão não só esses embates, como também a natureza
inóspita que parece observar o implacável choque de força dos homens.
A Moça e os
Médicos

(Tirez la Langue, Mademoiselle, França, 2013) 
Dir:
Axelle Ropert

Dois
irmãos que se apaixonam pela bela mãe de uma paciente infantil. O mote de A Moça e os Médicos é bastante simples,
um drama romântico muito bem equilibrado em suas nuances narrativas. Nem pesa a
mão no drama aterrador, nem se deixa levar pelo tom piegas das paixões
conflituosas.

algo no ritmo do filme que parece conduzir a história com muita leveza.
Sequências rápidas, diálogos afiados, mas nunca intelectualizados demais,
decupagem precisa. Axelle Ropert tem uma noção de ritmo muito pertinente para
uma história que, para além do conflito de seus protagonistas, tem um cuidado
muito grande pelos detalhes do cotidiano.  

Boris (Cédric Kahn) e
Dimitri (Laurent Stocker) trabalham juntos e atendem os pacientes a domicílio.
São muito ligados e confidentes. Isso complica mais uma relação sólida que
estremece com a entrada em cena dessa mulher que faz as vezes de femme fatale (Louise Bourgoin), ainda
que modesta. Delicadíssimo e sem nunca forçar a barra, A Moça e os Médicos faz jus à ao melhor das histórias de triângulo amoroso,
com boas doses de sutileza e carinho por seus personagens.

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