A justificativa (ou seria desculpa?) está dada desde o início: a narradora do filme, uma jornalista canadense que chega ao México em busca do paradeiro de uma patinadora de gelo local, dá conta de destacar as memórias vagas, os flashs dos acontecimentos, os lampejos do que viu e sentiu na sua estadia no local. É o tipo de recurso narrativo que livra a cineasta da exatidão das coisas, da precisão das informações e nos deixa mais abertos também à interpretação dos sinais. Desvío de Noche, assim como o primeiro longa da competitiva nacional do Olhar de Cinema, Neirud, é um filme de busca, mas do tipo que usa sua investigação como pretexto, embora não fique muito claro exatamente para quê.
Essa personagem chega ao México e quase nunca a vemos. A câmera do filme assume um olhar de observação que o aproxima do documentário, na medida em que o ambiente interiorano de uma vila de pescadores do país vai se formando para nós na sua paisagem natural e humana. O filme é dirigido pela dupla de diretores Paul Chotel e Ariane Falardeau St-Amour (ela é canadense e ele, francês) e o olhar estrangeiro que lançam fica evidente pela estranheza com que investigam as coisas ao redor e pela impossibilidade de definir exatamente o que está se passando diante dos seus (nossos) olhos – seja isso calculado ou não.
Outra estranheza é que Violeta Martinez, a patinadora mexicana, também não é encontrada naquele lugar. Alguns moradores locais nem sequer sabem quem ela é, outros não a veem há muito tempo. O filme começa a investigar seu passado e paradeiro, chegando até mesmo à figura de seu pai, também desaparecido (morto?) por aquelas bandas. Nada é definitivo e isso eleva certo suspense que a narrativa passa a inspirar, mas sem muita convicção de seus propósitos.
Esse olhar estrangeiro evita certo exotismo, pelo menos na primeira metade da narrativa, algo muito comum em filmes que promovem esse tipo de deslocamento geográfico, ainda mais com esse nível de tom documental. Mas o distanciamento que os diretores assumem a partir da câmera que parece subjetiva, sempre olhando pelas frestas e cantos, como se espiasse aquilo tudo, também cria uma frieza na forma de enxergar aquela gente.
Mas mais que isso, a falta de profundidade (e mesmo interesse) no substrato humano que há ali vai esvaziando ainda mais a experiência, até o ponto em que a patinadora já nem é mais lembrada como ponto central da investigação que o filme dizia fazer. Por fim, há um deslocamento narrativo tão abrupto (justificando até mesmo o título da obra, um verdadeiro desvio de rota) que é como se o filme seguisse um caminho só seu, em que a própria instância narradora desaparecesse para dar lugar a outros personagens, dentro daquela mesma paisagem, só que não tão interessantes assim como o filme faz parecer.
Esses personagens retomam a história já contada anteriormente sobre um homem que foi pescar e não voltou (mais um que se “perdeu” no caminho). De modo geral, Desvío de Noche dá conta de destacar os desaparecimentos que não se explicam, que não se solucionam, daí a própria inconstância narrativa e as muitas lacunas que aparecem no caminho. O risco desse tipo de imbricamento entre forma e conteúdo é o esvaziamento e desinteresse que recai sobre a narrativa quando tudo é tão difuso e pouco palpável.
Desvío de Noche (Canadá, 2022)
Direção: Paul Chotel e Ariane Falardeau St-Amour