Olhar de Cinema: Paterno

Olhar de Cinema: Paterno

A especulação imobiliária parece ser um tema onipresente no cinema pernambucano. Aquarius, de Kléber Mendonça Filho, e Piedade, de Cláudio Assis, abordam o tema, só para citar obras recentes daquele Estado. Paterno, novo filme de Marcelo Lordello (diretor de Eles Voltam), já pode se somar a esses dois. O filme nos apresenta de cara ao arquiteto Sérgio (Marco Ricca) que chega na região periférica de Brasília Teimosa (que já foi tema do longa Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro) a fim de avançar nas negociações com moradores locais sobre a compra de casas da região. As tensões não demoram a aparecer, em especial com a família de Vicente (Wilson Rabelo) e seu neto Cláudio (Thomas Aquino).

Mas ao lidar com o tema, Paterno até que apresenta um pequeno diferencial: o ponto de vista assumido agora é o do especulador, do grande empresário, do homem rico que quer, a todo custo, comprar as terras da região – neste caso, Sérgio sonha em colocar em prática um projeto exclusivamente seu: a criação de um condomínio de luxo, com ares modernosos e arrojados, tipo de empreendimento diferente dos modelos padronizados que a sua empresa tem feito. Empresa essa que é um negócio familiar, herança do patriarca da família que criou os dois filhos – ele e o outro irmão que mantém o controle da empresa – para seguirem os mesmos passos profissionais do pai.

E este pai encontra-se numa cama de hospital à beira da morte. O desentendimento de Sérgio com o irmão sobre o tão sonhado projeto não demora a tensionar a relação dos dois, o que garante ao filme os conflitos internos que o personagem passa a remoer no decorrer da narrativa. Paterno move-se em um movimento duplo: ao mesmo tempo em que lida com o debate social sobre o direito ao espaço urbano e os dilemas da moradia, em sentido mais amplo e social, também investiga, intimamente, as crises internas do seu protagonista, tão fechado em si mesmo que mal digere tais problemas. Entre o macro e o micro, Paterno é um filme sobre heranças, sobre pais e filhos, sobre o legado que deixaremos para as próximas gerações, também sobre os meandros do poder e do jogo político, que se faz de modo escancarado ou de baixo dos tapetes.

Ainda que se revele tão capilar nas suas pretensões e em tantos sentidos, contudo, Paterno resvala em um problema que contamina quase por completo a sua trama: o filme se escora demais na posição assumida pelos seus personagens que são tão arquetípicos quanto rasos naquilo que representam e no que defendem como princípios incorrigíveis. Sérgio em especial, já que recai sobre ele diversos conflitos: o embate com o irmão, que é contrário ao projeto que ele fez; os desentendimentos com o filho (vivido por Gustavo Patriota) que pensa totalmente ao contrário dele, típico choque de gerações; a dificuldade de convencer – e entender – a posição dos moradores do bairro periférico.

Ninguém no filme está aberto ao diálogo, ninguém quer deixar de lado as suas convicções. Do ponto de vista narrativo, isso não é nenhum problema. Mas o caso aqui é que o filme se valida dessa postura e não parece construir nada para além disso; nenhuma desses tensionamentos acima citados é capaz de mudar muita coisa na maneira como enxergamos os personagens e como eles mesmos se colocam no mundo. Sérgio é o típico homem rico, conservador, de direita, obcecado pela sua criação e cheio de vaidades. Porém, diante da negativa do irmão, ele não é capaz de defender o seu projeto, de tentar convencê-lo a levar adiante o empreendimento, de tentar, de modo expressivo, sustentar as suas escolhas, nem para o irmão e nem consequentemente para o público. Sobra apenas, então, entendê-lo como um homem vaidoso, rico e cheio de marra.

É assim com o filho, que não consegue ou tem poucas oportunidades para demonstrar o seu ponto de vista a favor dos excluídos da sociedade (há uma cena de discussão à mesa do jantar em que essa oportunidade aparece, mas o roteiro a desperdiça fatalmente), em contraposição ao pai. É assim com o irmão que demonstra ser mais escroto e intransigente que ele, espelho do próprio patriarca. É assim também com a mãe (papel essencial de Selma Egrei), que aparece como bastião e guardiã dos valores conservadores da antiga tradição familiar, mesmo que esta esteja ruindo.

Apenas dois personagens conseguiriam ter força para provocar uma virada de chave importante, mas eles aparecem pontualmente na trama: o primeiro deles é Cláudio, que vai demonstrar o seu jogo como “agente duplo”, colocando em xeque esse lugar sagrado da honestidade e ingenuidade dos “desvalidos”, inda que no campo do particular, e não como representação de uma classe. E tem também a personagem de Rejane Faria, funcionando no filme como aquela que dá uma lição de moral no “vilão” (típico arco de novela), mas, mais que isso, revela um outro lugar social e uma outra postura diante dos caminhos da vida, carregando muito mais de dignidade e princípios que Sérgio parece desconhecer e reconhecer naquela mulher negra.

Tais personagens complexificam a trama do filme, desestabilizam um primeiro olhar que poderia recair no óbvio e em certo traço caricatural que contamina os demais tipos e boa parte do longa, mas eles são a exceção aqui. Paterno transparece um filme muito sincero sobre as relações familiares, as dores da filiação, o debate sobre o espaço urbano, mas também cai na armadilha de se sentir muito confortável na rede de lugares-comuns que se costura a partir de temas e situações tão batidos quanto relevantes.

Paterno (Brasil, 2022)
Direção: Marcelo Lordello
Roteiro: Marcelo Lordello e Fábio Meira

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