Missões de paz e empatia*
Eficiente, prestativo, carismático, charmoso, poderoso, fiel a seus princípios. O diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, era apontado por muita gente como o possível sucessor de Kofi Annan como secretário-geral da ONU. Infelizmente, ele morreu durante um bombardeio no Iraque, em 2003, quando chefiava a missão de apoio à reestruturação política do país após a guerra contra os Estados Unidos.
O filme Sergio, portanto, traça um retrato fundamental e generoso da vida de personalidade tão importante dentro do mundo diplomático. Dirigido pelo norte-americano Greg Barker, o filme chega hoje ao serviço de streaming da Netflix. E é Wagner Moura quem interpreta o galante e intelectual que alcança esse lugar privilegiado de influência dentro da Organização das Nações Unidas, ao lado de sua companheira Carolina Larriera, interpretada pela atriz cubana Ana de Armas.
O filme dá conta de mostrar a ascensão de Sérgio, seu lugar de importância como diplomata, além de apresentar os dilemas morais e íntimos em meio ao desafio político de promover a paz em um mundo marcado por guerras, desigualdades e contendas entre países.
O A TARDE conversou com Wagner Moura e Ana de Armas em conferência por telefone sobre o filme e eles compartilharam o grande apreço por seus respectivos personagens na vida real.
“Ele era um cara único. Tinha uma formação intelectual muito forte, de alto nível. Estudou na Sorbonne, mas era formado, na verdade, pelas missões da ONU em campos de refugiados. Ele tinha esse lado intelectual, mas era um homem de ação”, defende o ator baiano.
“Eu me encontrei com a Carolina somente uma vez quando a gente estava gravando no Rio de Janeiro. E foi realmente incrível. Eu estava muito honrada de conhecê-la e ela estava muito animada com o projeto. Ela ainda sente muito a perda do Sérgio, mas foi muito solidária conosco”, acrescenta a atriz.
Sergio é narrado a partir de momentos distintos na vida e carreira do diplomata. O filme intercala sua chegada ao Iraque – os desafios de lidar com pressões de muitos lados, incluindo do governo dos Estados Unidos – com sua missão no Timor Leste – país que buscava sua independência do controle ditatorial da Indonésia –, além de reservar pleno destaque à tentativa de resgate de Sérgio, soterrado nos escombros quando a sede da ONU foi bombardeada e onde morreram mais outras 21 pessoas.
Olhares sinceros
O diretor Greg Barker tem uma carreira muito mais ligada ao documentário – este Sergio é seu primeiro filme de ficção. Ele dirigiu ainda um documentário de mesmo nome sobre Sérgio, em 2009 – o filme também está disponível na Netflix. Ou seja, não havia pessoa mais qualificada, em termos de pesquisa e conhecimento sobre a trajetória do diplomata brasileiro, do que Barker para fazer esse filme.
O ator também corrobora essa afirmação: “Nós tivemos uma ótima relação com o Greg durante todo o processo. Eu estava procurando um diretor para dirigir esse filme, e na conversa que eu tive com ele imediatamente eu soube que era a pessoa certa para fazê-lo porque compartilhávamos das mesmas razões. Eu vi o documentário dele, mas ele nos passou um material que nem tinha sido usado lá”.
Moura participa do filme também como produtor, e ele revela que busca assumir cada vez mais essa função, especialmente fora do Brasil – além de sua estreia como diretor, no ainda inédito no circuito Marighella. Sua maior preocupação é desfazer o modo estereotipado com que os personagens latinos são representados nos filmes. Ele revela mesmo uma vontade de romper essas barreiras.
“Essa minha vontade de produzir filmes nos EUA sempre teve um fundo político. A primeira vez que conversei com Ana, nós percebemos que pensávamos da mesma forma. O fato dela interpretar a Marilyn Monroe em um filme futuro é muito importante para nós, mostrar que nós podemos estar em qualquer outro filme sem ter que regredir à velha representação da latina sexy ou do latino violento”, pontua Moura.
Amor e empatia
Os caminhos políticos de Sérgio Vieira de Mello, por mais evidenciados que sejam, andam lado a lado com sua faceta mais íntima. O filme apresenta também uma história de amor através dos seus laços com Carolina. Ela também trabalhava nas Nações Unidas, e eles acabam se conhecendo e se aproximando no Timor Leste.
“Através de Carolina, Sergio começa a mudar. Nós vemos o amor deles nascendo, e isso é igualmente balanceado com seu drama político. É também uma história de amor, muito honesta. Ele não se sentia muito confortável em se mostrar vulnerável e eu acho que ela extraiu o melhor dele”, observa a atriz.
Com um casamento fracassado e os dois filhos com os quais que ele pouco tinha contato – moravam no Rio de Janeiro que Sérgio tanto adorava, mas do qual vivia distante –, e outras aventuras amorosas, o filme mostra que a vida pessoal de Sérgio tinha lá seus percalços e inconstâncias.
Ana de Armas também pontua como a relação entre os dois personagens foi fundamental para uma espécie de comunhão entre eles: “Carolina teve uma vida privilegiada antes, trabalhou em Wall Street, mas deixou tudo isso de lado para encontrar um propósito maior no trabalho humanitário. Eles se ajudaram mutuamente, eram grandes parceiros”.
Sergio, portanto, é um filme de muitas facetas, sobre um personagem muito rico, e envolvido em questões muito complexas – tanto íntima como politicamente. Por vezes a trama não consegue captar tão bem tais nuances porque falta explorar muitos detalhes em um enredo inchado – como a resolução apressada dos conflitos no Timor Leste ou mesmo a insinuação de que o bombardeio fatal na sede da ONU no Iraque possa ter tido participação dos Estados Unidos; mais tarde um membro da rede Al-Qaeda iria assumir a autoria do ataque, sendo posteriormente cassado e condenado à pena de morte.
De qualquer forma, o filme é um retrato digno de um homem cujo trabalho nos revela muito de valoroso. Moura complementa: “Se eu pudesse definir esse filme eu diria que é sobre empatia, algo muito valioso hoje em dia. E essa pandemia atual está nos mostrado a absoluta falta desses valores no mundo. Nós somos todos ambiciosos, queremos conquistar muitas coisas. Mas especialmente num momento como o atual, a gente precisa se questionar sobre o que realmente importa na nossa vida”.
Sergio (EUA, 2020)
Direção: Greg Barker
Roteiro: Craig Borten
*Publicado originalmente no Jornal A Tarde (edição de 17/04/2020)
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