Bate-bola em comunhão

Campo de Jogo (Idem, Brasil, 2014)
Dir: Eryk Rocha

 

Num campo de várzea no subúrbio do Rio de Janeiro, muito perto do Maracanã, palco do final da última Copa do Mundo, outro campeonato acontece. Os times Juventude e Geração disputam o título de campeã dentre os 14 times formados pelas comunidades vizinhas.

Esse é o ponto de interesse do documentário de Eryk Rocha, levando sua câmera para o espaço do futebol amador, celebração de uma das maiores paixões nacionais. Acabou fazendo um filme sensorial, captando com interesse e respeito a garra de quem joga e a vibração de quem torce. De início parece claro o contraponto com a espetacularização do futebol, em paralelo à Copa do Mundo e toda a midiatização grandiloquente de um evento esportivo, cultural, econômico e político desse porte.

É uma maneira de desviar o olhar para outras práticas que, tendo o futebol como epicentro, coloca em questão outros valores, outras manifestações afetivas, participativas e que comungam um valor comunitário tão presente e aparentemente normatizado naquela comunidade. Daí que Campo de Jogo pode ser encarado também como o mais puro experimento de observação do recorte de uma realidade insuspeita, com seus conflitos, dores e delícias peculiares.

É certo que os valores em jogo nos dois polos são bem distintos. E se o filme é capaz de acentuá-los, consegue também isolar a prática amadora no seio de um evento imprescindível e agradável para aqueles que ali tomam partido, dentro e fora do campo – e consequentemente belíssimo por sua capacidade de apreensão e formatação de um evento tão espontâneo.

Eryk Rocha, nas suas incursões documentais, já havia, de alguma forma, pintado matrizes de identidades diversas: uma identidade pessoal, em Rocha que Voa, ao encontrar as influências da obra de seu pai Glauber Rocha na cultura cubana; outra nacional, nas vozes captadas do povo brasileiro em Intervalo Clandestino; e mais uma na incursão pela América Latina em Pachamama.

Agora faz mais um estudo de um traço que, convencionalmente, passamos a tratar como algo de identitário no povo brasileiro. O futebol, a despeito da crise que o esporte em seu formato profissional enfrenta atualmente, mesmo nas instâncias mais poderosas, como a FIFA, encontra no filme uma tradução espirituosa, crua, de comunhão e confronto, de torcida e esbravejamento, sem pudores.

Eryk Rocha filma aqueles corpos em movimento, como um embate que envolve todos ali presentes. Nunca com apatia, o filme antes se dispõe em construir um ensaio poético que extraia a força estética dos corpos em combate (aquilo é quase uma luta), da pele suja de areia, dos olhares atentos e sorrisos cúmplices diante de uma câmera, da polifonia que se ouve dentro e fora de cena. O campo torna-se território de comunhão.

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