Mamonas Assassinas – O Filme / Entrevista com Ruy Brissac e Alberto Hinoto

Irreverência nostálgica*

Em meados dos anos 1990, cinco jovens sonharam ser possível fazer e viver de música a partir de Guarulhos, município da Região Metropolitana de São Paulo, enquanto faziam bicos e trabalhos temporários para sobreviver. A reunião dos amigos foi caótica e cheia de percalços no começo – criaram antes a banda Utopia, que não vingou –, mas os Mamonas Assassinas viram a fama chegar, tão meteórica quanto o seu fim com o desastre aéreo que os vitimou em março de 1996.

Foram oito meses de sucesso nas rádios e na televisão, tornando o seu rock cômico e os modos irreverentes de cantar, compor e se apresentar aclamados pelo público que abraçou a graça e o escracho divertido da banda. Mamonas Assassinas – O Filme retrata esse sucesso, mas se dedica sobretudo a mostrar o início do grupo, desde sua formação, as dificuldades para se inserir no mercado fonográfico e a formatação de um estilo único, até estabelecer o conceito espirituoso que os tornou aclamados do grande público.

“No auge dos Mamonas Assassinas, eu tinha seis anos de idade e não tem como não lembrar, foi uma passagem muito marcante”, conta o cantor e ator Ruy Brissac, que hoje interpreta o vocalista e frontman Dinho. Brissac conversou com A TARDE antes mesmo de ter vindo a Salvador há duas semanas para divulgar o filme que já está em cartaz nos cinemas.

“Eu lembro perfeitamente deles nos programas de televisão, lembro da irreverência e da surpresa porque a gente nunca sabia o que eles iriam fazer nas performances, era sempre um improviso, algo muito incrível. Então eu tenho memória sobre toda essa essência, essa atmosfera; eu lembro da energia e de como eles comoveram o Brasil”, complementa o intérprete.

Diferente de Brissac, Alberto Hinoto não viu o barulho que foi a passagem deles: “Eu não vivia a época dos Mamonas, pois eu nasci em 1998. Mas na minha infância eu sempre fui inserido ao universo deles, seja ouvindo na minha casa ou através de amigos e pais de amigos”, contou, também em entrevista ao A TARDE. E não poderia ser diferente. Alberto Hinoto é sobrinho de Bento Hinoto, guitarrista da banda, e interpreta o próprio tio no filme.

Além deles, completa o elenco Robson Lima, como o percussionista Júlio Rasec, e Adriano Tunes e Rener Freitas como os irmãos Samuel Reoli (baixista) e Sérgio Reoli (baterista), respectivamente. Dirigido por Edson Spinello, o filme certamente tem um apelo maior para os fãs da banda já que suas intenções narrativas esbarram em um texto básico e uma direção sem grandes pretensões.

Filme complemento

Mamonas Assassinas – O Filme pode ser visto como continuidade de um projeto de levar adiante o legado da banda. A ideia do filme surgiu, inclusive, a partir da peça de teatro musical que Brissac já protagonizava desde 2016 no papel de Dinho. Ele também mantém uma banda cover, junto com Hinoto, que faz shows até hoje com o repertório dos Mamonas.

“O filme não saiu naquela época, mas eu sempre acreditei que esse projeto vingaria e que o papel era meu. Fui ficando mais velho e quando eu recebi o convite para fazer o filme, que finalmente ia ser produzido, lembro que os produtores queriam me ver ao vivo porque tinham se passado seis anos”, relata o ator.

Mas o endosso mesmo veio com a mãe Dinho. “Ele tinha 24 anos na época e eu estou com 34. Só que eu mantive essa aparência mais jovem. Dona Célia, a mãe do Dinho, sempre falou que eu pareço com ele mais novo, o Dinho dos 18, 19 anos. Quando ela me viu pela primeira vez, ficou impactada. Ela pegava meu rosto, olhava de um lado e de outro, se espantava com a semelhança”, conta Brissac ao revelar a amizade e aproximação que mantém com a família do vocalista até hoje.

Hinoto, por sua vez, fala das dificuldades de interpretar o tio porque ele foi criado pela família da mãe, sendo o tio irmão do seu pai. “Eu sou um pouco afastado da família do meu pai. No entanto, para poder estar no projeto, eu tive que buscar referências com a família. Foi algo que eu nunca tinha feito dessa maneira. Eu perguntava como ele era, quais os hobbies, como ele aprendeu a tocar. É uma coisa muito delicada. Se não fosse por conta do filme, eu não ia ser tão intruso assim”.

Intensidade nos palcos

Os melhores momentos do filme – quando ele se distancia de um texto protocolar e expositivo demais, sem grandes nuances dramáticas – são aqueles que mostram as performances no palco. Nesse momento, o longa consegue absorver a irreverência da banda e fazer isso com a própria narrativa, brincando com a montagem e com as performances do grupo no palco, que sempre foram muito animadas e engraçadas.

Brissac e Hinoto contam que eles mesmo cantam e tocam no filme, algo que já faz parte da experiência de ambos com a apresentação musical – eles também possuem carreiras solo como artistas independentes. “Gravar os shows foi maravilhoso. Nós já tínhamos intimidade com o palco. E o que ajudou muito foi que a figuração do público era toda feita por fãs reais dos Mamonas, convidados para estarem no filme. Foi incrível porque a troca de energia é muito verdadeira”, pontua Brissac.

Ainda assim, com toda essa pulsação, Mamonas Assassinas – O Filme não escapa de certas fragilidades. O problema generalizado que acomete grande parte dos filmes biográficos – seja de artistas ou personalidades em geral – é a necessidade de colocar em pouco tempo de tela uma vida extensa e cheia de momentos marcantes. No caso dos Mamonas Assassinas, isso é minimizado porque a trajetória do grupo não é longa.

O filme, porém, prefere estacionar no lugar-comum das realizações dedicadas apenas a valorizar um legado. E não que isso seja um problema – Nosso Sonho, cinebiografia sobre a dupla Claudinho e Buchecha, também lançada este ano, está aí para provar o contrário. De qualquer forma, o filme serve para mostrar que uma iconografia tão marcante e única para a cultura popular brasileira nunca mais foi imitada, apenas reverenciada através da nostalgia.

Mamonas Assassinas – O Filme (Brasil, 2023)
Direção: Edson Spinello
Roteiro: Carlos Lombardi

*Publicado originalmente no jornal A Tarde (edição de 01/01/2024)

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