Mostra de Cinemas Africanos: Juju Stories

Juju Stories abre a Mostra de Cinemas Africanos já pedindo passagem para a discussão do cinema de gênero no contexto de produção de África. Dividido em três narrativas curtas independentes, cada qual dirigida por cineastas distintos que compõem o coletivo Surreal16, o filme oferece contos de bruxaria (“juju” significa “magia” em idioma local) que nada mais são do que lendas urbanas a povoar o imaginário nigeriano contemporâneo.

Uma mulher prepara uma poção de amor para segurar seu pretendente; boatos de que as pessoas estão se transformando em inhame saem nos jornais; duas jovens amigas vivem uma relação de ciúme e sentimento de posse. A grosso modo, essas são as tramas de cada segmento e há de se observar nesse conjunto de narrativas que a origem da magia em nenhuma delas está necessariamente relacionada a algum tipo de preceito ou crença religiosa – pelo menos numa camada mais superficial até onde cada um dos curtas nos dá a ver e saber.

Isso porque a ideia de magia, no contexto africano, é muito facilmente associado a um misticismo religioso ancestral, com seus rituais e cultos misteriosos, e que têm uma incidência muito forte para nós no Brasil por conta das religiões de matriz africana aqui sedimentadas (com seus mitos, rituais sagrados, experiências de incorporação e toda a relação com os orixás e forças superiores que não deixam de ser também um contato com a Natureza).

Em Juju Stories, nem mesmo a origem das forças mágicas passa por explicações minimamente lógicas ou é foco de interesse do roteiro – afinal, as lendas urbanas apenas existem na medida em que elas são contatas, inventadas e redimensionadas por quem as narra, sem grandes preocupações com verossimilhanças. Em alguns casos, as tramas são muito mais universais (como as façanhas mágicas para amarrar um marido, tal qual o primeiro segmento), ou mesmo banais (como a colega de classe da protagonista que todos acreditam ser uma bruxinha a partir dos misteriosos acontecimentos de ordem não natural).

Mesmo que o gatilho inicial das forças mágicas seja dado por figuras femininas pontuais, ainda que misteriosas (exceção feita ao terceiro segmento), o filme está mais interessado nas consequências das atitudes dos personagens diante dos impasses fornecidos pelos ares sobrenaturais. É possível pensar num filme como Moolaadé, de Ousmane Sembene, que também apela para o uso de forças fabulares (a mulher que invoca a proteção sagrada para encerrar garotas ameaçadas de mutilação genital dentro de um círculo onde ninguém é capaz de tocá-las) em ponto chave da narrativa. Se aí há uma dimensão política mais acentuada que o filme irá explorar mais do que os preceitos mágicos em si, em Juju Stories a magia também passa a ser secundária porque aquilo que move moralmente os personagens tem mais impacto na trama.

Nisso há duas operações conflituosas em jogo no longa: de um lado as tramas ganham mais agilidade e um ritmo quase “aventuresco” porque, apesar de uma encenação cuidadosa (o filme vem da competição do Festival de Locarno, espaço de prestígio artístico), no fundo são histórias populares com ares de entretenimento – em muitos momentos trafegando pela comédia e pelo melodrama, quando não acenando para o horror; por outro lado, o próprio formato de curta impede que os diretores aprofundem suas questões e o desenho dos personagens, pois é nas suas atitudes e comportamentos que residem os maiores interesses do filme.

No segundo curta, por exemplo, a trama ganha um desvio interessante porque alguém ser transformado em inhame poderia ser apenas um castigo para suas falhas de caráter, mas a trama investe numa outra narrativa paralela que demandaria um pouco mais de substância, mas acaba se perdendo ao fim – é o mais fraco dos segmentos. Os outros dois conseguem ganhar mais em complexidade porque apresenta personagens cujas morais tortas (para o bem ou para o mal) é que leva a trama para caminhos inevitáveis, especialmente versando sobre as escolhas que fazemos sobre aqueles que queremos ao nosso lado, com a ajuda de poderes mágicos ou não.

JuJu Stories (Nigéria, 2021)
Direção: C.J. Obasi, Abba Makama e Michael Omonua (Coletivo Surreal16)
Roteiro: C.J. Obasi, Abba Makama e Michael Omonua

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