Mostra SP: Folhas de Outono

Aki Kaurismäki é desses cineastas que moldaram um universo muito próprio em sua filmografia e não arredam o pé. Folhas de Outono é outro belo exemplar do estilo afiado do diretor a complementar uma obra que se reconhece de longe. Aqui temos mais uma vez o velho conto dos corações solitários que se amparam enquanto o mundo desmorona, seja em escala mundial – notícias da guerra na Ucrânia são constantemente ouvidas no decorrer da trama –, seja no âmbito pessoal – os dois protagonistas vivem dificuldades de conseguir e segurar seus empregos médios.

Ansa (Alma Pöysti) e Holapa (Jussi Vatanen) se conhecem por acaso em um karaokê, mas demora para que a conexão entre eles se estabeleça – há desencontros e desconfianças no meio do caminho. Kaurismäki não tem pressa em consumar essa relação porque não se trata de suprir uma necessidade imediata, mas antes entender a personalidade de cada um, seus caprichos, enquanto o fosso da solidão se revela mais nítido ao espectador, uma vez que em seus filmes abundam personagens assim errantes.

Há certas dicotomias presentes nas obras do diretor finlandês que são adoráveis reencontrar a cada filme. O mais marcante é a frieza do elenco na composição dos personagens, sempre muito mecânicos nos seus movimentos, herança bressoniana que o cineasta não omite, assim como não esconde o tanto de ternura que escapa do filme, criando um efeito de contraposição muito particular em suas obras. Se aparentemente as relações são gélidas, no fundo elas se revelam muito mais emocionais à medida que desvendamos os anseios de cada um ali.

Em Folhas de Outono há ainda uma dissincronia curiosa: os personagens acessam informações sobre a atual guerra na Ucrânia através de um rádio antiquíssimo, assim como anotam números de telefone em papeizinhos (ariscos como as folhas das árvores que caem no outono), ligando uns para os outros em velhos aparelhos de telefone e de orelhões nas ruas. Com isso, o filme cria um paralelo entre passado e presente que parece inserir seu universo narrativo em um entretempo indefinível, deslocado, mas tão palpável e fugidio como o concreto das coisas atuais.

E talvez porque esteja lidando com aspectos emocionais mais personalizados nesse pequeno melodrama (ultimamente o diretor tem feito filmes mais políticos, como o tema dos refugiados na Europa que aparecem nos seus dois últimos longas, O Outro Lado da Esperança e O Porto), há aqui uma abertura maior para o humor. Mesmo as tiradas mais sutis são capazes de arrancar gargalhadas na plateia, o que torna a exibição de Folhas de Outono muito divertida.

Uma delas acontece na saída do cinema quando o casal resolve ir assistir a uma inusitada sessão de Os Mortos Não Morrem, filme de zumbis (péssimo por sinal) dirigido por Jim Jarmusch. Mas esse é o tipo de surpresa irreverente que encontramos nos filmes do Kaurismäki. Apesar das guerras, encontramos também muita esperança. E geralmente quem a carrega pode estar do nosso lado.

Folhas de Outono (Kuolleet Lehdet, Finlândia/Alemanha, 2023)
Direção: Aki Kaurismäki
Roteiro: Aki Kaurismäki

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