Mostra SP: La Chimera

Arthur (Josh O’Connor) tem o dom para encontrar artefatos antigos enterrados em covas antigas, mas não consegue reencontrar o antigo amor de sua vida. Ele acabou de sair da prisão e retorna para o círculo de amizades a que pertence, mas a bela Beniamina é agora apenas uma lembrança, já que ninguém mais sabe o paradeiro da moça. Ah, o amor, essa quimera.

Os filmes da italiana Alice Rohrwacher parecem habitar um universo muito próprio, com algumas possibilidades insólitas e fantasiosas, mas também muito crus na sua realidade palpável – a diretora adora filmar em película de diversos formatos, o que confere ao filme uma textura granulada que remete ao passado. Somado a isso, há também um sentido de coletivo muito latente em suas obras. Os ambientes familiares de As Maravilhas e Feliz como Lázaro são bem demarcados, e todos esses elementos estão presentes no mais novo filme da diretora, o belíssimo La Chimera.

Arthur é acolhido na casa de Flora (Isabella Rossellini), uma professora de canto que vive rodeada de alunas a orbitar por aquela casa, em especial Italia (a brasileira Carol Duarte), estudante (desafinada) e espécie de empregada do lugar. Mas Arthur pertence mesmo ao grupo de larápios inconsequentes na companhia de quem busca encontrar essas peças de arte ancestrais – principalmente nas covas dos povos da civilização etrusca, encontradas na região centro-sul da Itália – a fim de vendê-las no mercado informal e escuso das obas de arte.

Demora um tanto para que o filme nos situe nesse ambiente povoado por tipos inusitados e nas relações por vezes incertas que se estabelecem entre os muitos personagens que passam a circundar a trama. La Chimera começa um tanto confuso – ou apenas animado demais – e vai entrando nos eixos quase que por encanto, na medida em que o protagonista continua sua busca silenciosa por entre os resquícios da terra e do tempo, além de iniciar certo interesse em Italia – ou seria dela nele?

A própria ideia de que Arthur é dotado de uma habilidade especial para saber identificar onde as peças estão enterradas, o que faz dele consequentemente uma galinha dos ovos de ouro para aquele bando, só vai se cristalizar na narrativa um tempo depois. A diretora não tem pressa nenhuma em demarcar essas e outras definições, nos restando o prazer de descobri-las e confirmá-las a seu tempo.

A irmã da diretora, a atriz Alba Rohrwacher, por exemplo, tem um papel ótimo aqui, que surpreendentemente se concretiza apenas quando ela aparece em cena, depois de tanto ser citada antes – supondo até ser um personagem masculino. Ela rouba a cena quando aparece, mas o filme tem também a habilidade de realçar como novidade aquilo que surge de ímpeto e que se integra facilmente à sua linha narrativa, como se fosse a coisa mais óbvia possível. Rohrwacher filma com interesse até mesmo esses personagens mais secundários, dando-lhes atenção quando lhe convém, e isso espelha um filme que opera através da lógica do encontro. É como se a câmera fosse seduzida por essas pessoas que passam pela tela, seguindo-as, as ouvindo e sentindo seus anseios e pulsões, também “abandonando-as” pelo caminho quando necessário.

É assim também com o protagonista que se movimenta com total parcimônia e mesmo certa apatia no decorrer do longa, ainda que sejam os seus dilemas existenciais que guiam a trama. Arthur que encontrar os objetos e ficar rico, é claro, mas existe nele uma necessidade de completude que se dá no campo íntimo. Nesse ponto, a personagem de Carol Duarte deixa de ser um mero capricho para se tornar um farol – imaginável e concreto, além de luminosa na sua simplicidade, até mesmo com alguma ignorância –, palpável diante da desolação do mundo ao redor de Arthur. O amor, enquanto busca, pode ser essa quimera. Para ele, é também uma relíquia, que só se alcança no encontro à morte.

La Chimera (Itália/França/Suíça, 2023)
Direção: Alice Rohrwacher
Roteiro: Alice Rohrwacher, Carmela Covino e Marco Pettenello

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