Mussum, O Filmis / Entrevista com Ailton Graça e Cinnara Leal

Humor e samba*

O cinema brasileiro de apelo popular, mirando nas cinebiografias de personalidades famosas, ganham um novo reforço esta semana, depois do sucesso de bilheteria de Nosso Sonho, sobre a dupla Claudinho e Buchecha. Pois agora chegou a vez de Mussum, O Filmis ganhar os cinemas, longa sobre o eterno deste trapalhão que se revela muito mais do que apenas um comediante de sucesso na televisão.

O filme, dirigido por Silvio Guindane, ator que estreia agora na cadeira da direção, já está em cartaz nas salas comerciais e dá conta de revelar a trajetória muito mais ampla de Antônio Carlos Bernardes Gomes. Se o personagem Mussum tornou-o tão conhecido do público brasileiro a ponto de seu nome verdadeiro ser ignorado por muitos, o filme faz questão de dedicar grande parte do seu tempo a narrar a vida pregressa do artista antes da fama n’Os Trapalhões.

Ailton Graça é quem vive o personagem na sua fase adulta e conversou com o A Tarde na capital paulista onde o filme fez parte da programação da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – antes disso, já havia sido consagrado como grande vencedor do Festival de Gramado deste ano. “Foram dez anos me preparando para viver esse personagem”, afirmou o ator.

Os últimos anos, no entanto, foram mais intensos. “Gravamos e nos dedicamos mais no momento em que estávamos saindo da pandemia. Então a gente ficou confinado em desenvolver esse trabalho dentro de um ponto de vista muito nosso. Buscamos elementos para uma construção coletiva da obra”, complementou.

A atriz Cinnara Leal também conversou com A Tarde sobre sua participação, ela que interpreta Neila Gomes, a segunda esposa de Antônio Carlos e grande parceira de vida, seguindo juntos até a morte dele em 1994. “Foi importante que a produção do filme teve muita confiança em nós, artistas, pelo esforço coletivo mesmo. A gente tinha muita vontade de contar a história desse grande homem que é como contar a nossa própria história”, pontuou a atriz.

Durante a entrevista, Graça destacou a semelhança física de Cinnara com a verdadeira Neila, apesar da atriz contar que, por conta da pandemia, não pode se encontrar pessoalmente com ela, desenvolvendo sua personagem a partir do trabalho de pesquisa e dos laboratórios de preparação.

Caminhos traçados

É também louvável a transformação de Ailton Graça nessa figura icônica, já que outras facetas vão se fazer presentes na sua vida. Ele é vivido por Thawan Lucas na fase infantil e por Yuri Marçal quando jovem, este último representando a época em que Antônio Carlos serviu à Aeronáutica brasileira.

E foi já nesse período que a arte surgiu na sua vida, mas no campo da música. Nascido e criado na Zona Norte do Rio de Janeiro, a vivência por entre as escolas de samba marcou sua trajetória, em especial na Mangueira. Não demora muito para ele fazer parte da banda Os Sete Modernos do Samba que futuramente se tornaria Os Originais do Samba, com a qual percorreu o mundo e obteve sucesso – Graça faz questão de pontuar que o elenco cantou de fato nas gravações do filme, sem uso de dublagem).

Foi quase que por acaso o convite feito a ele para trabalhar na televisão, inicialmente fazendo pequenos personagens (as chamadas “escadas”) para grandes atores, como Grande Othelo (vivido por Nando Cunha). Foi ele, aliás, quem acabou criando o nome “Mussum”, inicialmente recusado por Antônio Carlos, mas que acabou sendo tão repetido pelas pessoas nos bastidores que acabou pegando e sendo assumido por ele.

Outra figura importante da televisão que forjou o caminho do agora ator na comédia foi Chico Anysio (interpretado por Vanderlei Bernardino). Numa primeira versão da Escolinha do Professor Raimundo, o grande mestre da comédia já percebia o potencial de Antônio Carlos para o humor, encarnando ali o Mussum como esse personagem galhofeiro e piadista, já com seus trejeitos específicos e aquela fala característica que consiste em trocar as últimas letras das palavras por “is” – formando termos como “cacildis” ou “forévis”, essa última uma corruptela do inglês).

Lugar-comum

Tudo isso é mostrado no filme antes da consagração como o Mussum que formou o inesquecível quarteto ao lado de Didi Mocó (Gero Camilo), Dedé (Felipe Rocha) e Zacharias (Gustavo Nader). O dilema entre a comédia e a música é outro ponto chave para a vida profissional dele, já que em determinado momento ele teve de escolher entre um e outro.

Com isso, Mussum, O Filmis assume o caráter popular mais convencional na maneira de contar a história de uma personalidade e acerta em dar grande destaque a uma fase inicial pouco conhecida do grande público. Por outro lado, o longa parece querer “mostrar serviço” através da caracterização de uma série de personalidades da música e da TV, a exemplo de Alcione, Jorge Ben Jor, Cartola e Elza Soares – esta última interpretada pela cantora baiana Larissa Luz.

O filme tem o intuito de ser muito mais representativo dessas pessoas todas e dos passos que ele seguiu na carreira, mostrados sem muita inventividade e com um tratamento protocolar, sem alcançar grandes profundidades. Os embates familiares são também muito rasos (mas vale destacar aqui o trabalho de Cacau Protásio, que vive a mãe dele na infância, e de Neuza Borges, no mesmo papel mais velha).

De qualquer forma, Graça reforça a satisfação dele em construir esse personagem. “Na minha experiência dentro da TV Globo, eu tive a oportunidade de fazer um quadro da Turma do Didi. Num momento de descontração, o Renato Aragão me abraçou e me disse: ‘Cara, eu matei saudade do Mumu com você brincado aqui’. Foi muito emocionante. Ter esse aval dele foi muito importante para mim”.

Ainda que com problemas estruturais e um tratamento convencional, Mussum, O Filmis reforça a necessidade de falar com seriedade sobre os artistas populares do Brasil – foram mais de 25 anos de sucesso d’Os Trapalhões na televisão, além de Mussum aparecer em mais de 40 filmes junto com a trupe ao longo da carreira. “Com esse trabalho, a gente espera dar continuidade ao grande legado deixado pelo Antônio Carlos”, arrematou Graça.

Mussum, O Filmis (Brasil, 2023)
Direção: Silvio Guindane
Roteiro: Paulo Cursino

*Publicado originalmente no jornal A Tarde (edição de 03/11/2023)

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