A Estranha Comédia da Vida

Drama e comédia se entrelaçam em filme italiano sobre Luigi Pirandello*

Ultimamente, o dramaturgo e romancista italiano Luigi Pirandello tem se tornado tema de muitos filmes; não apenas porque suas peças e roteiros continuam sendo adaptadas para o cinema, não só na Itália (casos de Uma Mulher Respeitável, na França, e Seis Personagens à Procura de um Autor, na Tailândia, só para ficar em exemplos recentes), como ele próprio tornou-se personagens de alguns deles – o mestre italiano Paolo Taviani usou o caso recente da mudança dos restos mortais do escritor em seu último longa, Leonora, Adeus.

Agora, em A Estranha Comédia da Vida, já em cartaz nos cinemas brasileiros, Pirandello é personagem basilar desse filme dirigido Roberto Andò. Longe de querer ser uma cinebiografia do vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, o filme retrata um momento muito específico da carreira do dramaturgo nos anos 1920, quando ele já era um autor conhecido.

Vivido esplendidamente por Toni Servillo, Pirandello encontra-se em crise criativa, tanto diante do público e da crítica, que passam a ser muito mais severos e incrédulos com sua obra, como também anda em conflitos familiares com a filha – a esposa, já há algum tempo, sofria de problemas psicológicos e estava internada em um sanatório. Ele resolve, então, fazer uma viagem para a Sicília, sua terra natal, em busca de inspiração.

Lá, vai topar com uma dupla de dramaturgos que estão ensaiando uma peça popular de comédia. Sebastiano (Salvatore Ficarra) e Onofrio (Valentino Picone) ficam encantados quando descobrem Pirandello passeando por ali e vão fazer de tudo para que o mestre veja (e quem sabe, comente e aprove) o espetáculo que estão fazendo (ou tentando fazer).

Tratam-se, é claro, de personagens fictícios, e não poderiam ser mais diferentes de Pirandello. Nada polidos e um tanto atrapalhados, eles contrastam com a seriedade e a dureza do mestre, ainda mais quando este se encontra em estado de crise. Mas é através desse encontro que A Estranha Comédia da Vida discute as noções de sucesso e glória, além de colocar em pauta o valor artístico da comédia frente ao drama e a importância do teatro de entretenimento.

É nesse momento também que Pirandello vai escrever uma de suas peças mais conhecidas e revolucionárias, a já citada Seis Personagens à Procura de um Autor. Esse é um passo decisivo na carreira do dramaturgo, quando ele lida com a metalinguagem teatral e se entrega a mais experimentos cênicos.

Amadores profissionais

Se, por um lado, o filme investiga os passos da vida e carreira de um dos mais consagrados nomes do teatro mundial – e é bom lembrar que essa consagração só chegou muito mais tarde com o Nobel recebido em 1934, apenas dois anos antes da morte do autor –, o lado ficcional é um espetáculo à parte, em um tom muito mais divertido e farsesco.

Boa parte do humor do filme está concentrado nas peripécias de Sebastiano e Onofrio tentando levar adiante o ofício teatral com uma pretensa circunspeção, sem muita experiência com a coisa, mas com uma determinação quase infantil e burlesca.

Não só os dois aspirantes a grandes dramaturgos têm os seus momentos engraçados, como também a trupe de atores sem muita experiência nos palcos, que ensaia aquela comédia pastelona. Um dos próprios integrantes os define sem constrangimentos: “Somos amadores profissionais”.

Os diretores precisam lidar com as limitações artísticas de seu grupo, além de outros problemas como infidelidades e paixões repentinas que surgem na trupe, como uma comédia de erros capaz de pôr a perder a realização da peça. Pirandello, por sua vez, acompanha um pouco daquilo e, de alguma forma, se inspira na vitalidade dos amadores para seguir criando.

É como se o filme abraçasse a comédia nesse núcleo, em contraponto aos momentos mais densos que envolvem as angústias internas de Pirandello, fazendo desse encontro um ponto de virada na carreira do autor. Trata-se de um mero exercício de especulação imaginativa, mas o que importa mesmo é que A Estranha Comédia da Vida oferece uma celebração do fazer teatral em suas muitas vertentes e possibilidades.

A Estranha Comédia da Vida (La Stranezza, Itália, 2022)
Direção: Roberto Andò
Roteiro: Roberto Andò, Ugo Chiti e Massimo Gaudioso

*Publicado originalmente no jornal A Tarde (edição de 03/12/2023)

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