Mostra SP: Os Irmãos de Leila

Os Irmãos de Leila poderia muito bem se chamar “A Família Tresloucada de Leila”, porque ela não tem de lidar apenas com as inconstâncias dos seus quatro irmãos, cada qual perdido nos descaminhos da própria vida, mas também com a teimosia do pai e as reclamações da mãe. Esse título inventado, no entanto, poderia sugerir um tom de comédia que o filme até apresenta em alguns momentos, um humor tirado das desavenças e dos golpes sofridos pelos personagens no decorrer da trama, mas o filme revela sua verdadeira veia dramática ao aprofundar as crises que só começam a aparecer na vida deles.

Pois a família Jabalou vive numa Irã de tradições ancestrais que exigem poder aquisitivo e certa postura burguesa como sinônimos de status social de alta classe. E eles não possuem nenhum dos dois atributos. Ao contrário, sobram dívidas e sua condição financeira permite a eles terem uma vida apenas cômoda, mas sempre apertada – apenas um dos filhos é casado e mora em sua própria residência, os demais se amontoam junto aos pais.

De qualquer forma, o pai (Saeed Poursamimi) acaba de receber o convite para ser o patriarca do clã da grande família da qual fazem parte, após a morte do primo que ocupava esse lugar. Para isso, porém, o presente que ele precisa oferecer no próximo casamento da família é uma soma altíssima em dinheiro.

Esse é só um dos dilemas que a família vai enfrentar, filtrados pelo olhar de Leila (Taraneh Alidoosti), mulher solteira que, enquanto não consegue arranjar um pretendente para casar, tenta elevar sua voz feminina ao administrar as crises, tentando encontrar as melhores saídas para os problemas da família de forma que todos possam sair ganhando. E quase tudo em Os Irmãos de Leila gira em torno do dinheiro, da possibilidade de investir e em quê investir, das forças e exigências da riqueza enquanto status, das jogadas e tramas que os donos da grana dispõem.

O jovem diretor Saeed Roustayi cria um carrossel de embates entre os personagens, em um filme cada vez mais tensionado pelas discussões que se travam nos limites do lar. O filme aposta em uma estrutura narrativa quase teatral na maneira de triangular essas discussões que sempre tendem a puxar novos debates, novas crises; ao tentar resolver certas questões, outras se abrem e escancaram a dificuldade de conciliação das vontades e pensamentos entre eles.

É o tipo de filme gritado, verborrágico e tensionado pelos diálogos – quando não, das acusações e dedos apontados de uns contra os outros. Roustayi aposta no texto e na presença de seus atores – realmente todos muito bons em cena, dando conta das camadas e das contradições de seus personagens. Na sua primeira metade, o filme até consegue sustentar muito bem essa dinâmica, ainda que arriscada por conta da crueza narrativa, no limite do excesso. Infelizmente esse limite é quebrado. O maior erro do filme é investir, seguidamente, na trama de reviravoltas que sempre coloca a família em um novo patamar de discussões, gritarias e acusações mútuas.

Num desses momentos, justamente durante o importante casamento, Os Irmãos de Leila revela suas garras de manipulação pelas tomadas de atitude um tanto intempestiva dos personagens, apenas para que a engrenagem das tragédias pessoais gire mais e mais. A partir daí fica claro que o cineasta quer alongar o quanto pode os embates ideológicos e verbais, caindo na velha estrutura de bola de neve, cada vez mais avassaladora à medida que desce a ladeira dos equívocos cometidos ora por um, ora por outro.

O filme cede ao peso da sua própria escolha pelo drama pesado e implacável, colocando o espectador numa teia embaralhada de desdobramentos caóticos – a desvalorização constante da moeda iraniana é de deixar qualquer economista surtado. A aposta na comédia já se esvai perto desse final, mas é como se o filme assumisse uma fórmula de “comédia de erros”, mas sem direito a graça. Roustayi parece não saber o momento certo de parar, assim como a família de Leila não sabe o significado da palavra “parcimônia”.

Os Irmãos de Leila (Baradaran-e Leila, Irã, 2022)
Direção: Saeed Roustayi
Roteiro: Saeed Roustayi e Azad Jafarian

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