Pérola

Pérola, de Murilo, fala dos sonhos da classe média*

O ator Murilo Benício tem presença marcante na TV brasileira, mas não necessariamente papeis de fôlego no cinema – sua última grande entrega certamente foi no ótimo longa de horror O Animal Cordial (2017), dirigido pela cineasta baiana Gabriela Amaral Almeida.

Mas é sua faceta como diretor a que ele tem se dedicado ultimamente no cinema. Depois de estrear atrás das câmeras adaptando Nelson Rodrigues em O Beijo no Asfalto (2018), protagonizado por Lázaro Ramos, Benício lança agora Pérola, já em cartaz nos cinemas. O filme é também adaptação de uma peça teatral, texto homônimo escrito pelo dramaturgo Mauro Rasi, que alcançou muito sucesso de público e crítica quando encenada nos anos 1990.

O papel-título é defendido por Drica Moraes, uma mãe que cuida da família com dedicação e certa mão de ferro. Muda-se com o marido e os dois filhos ainda pequenos para uma nova casa. Ainda que apertada – o carro da família mal entra na garagem –, o maior desejo de Pérola é ter uma piscina no quintal do fundo, sonho que ela vai perseguir pelo tempo que for.

O filme, aliás, lida muito bem com as elipses temporais, saltando e voltando na ordem cronológica dos fatos de modo um tanto abrupto, mas muito organicamente dentro da narrativa. É assim que vemos os filhos crescerem, a mãe de Pérola ter que ir morar com eles, os filhos abandonarem o lar – por motivos distintos – enquanto a piscina custa a ficar definitivamente pronta.

Os sonhos de realização da classe média, os desejos de posses materiais e as conquistas de status social dos membros da família são demarcações com as quais o filme trabalha. Porém, no fundo, trata-se de uma história universal de amor e conflitos que se estabelecem entre aqueles que se amam. Pérola tem personalidade forte, mas um senso de união e bem-estar que ela aplica a todos ao seu redor.

Ou quase todos porque além de marido e filhos, rondam a personagem as muitas irmãs, cunhados e demais pessoas que trafegam pela rotina familiar. Os cochichos e burburinhos, os segredos de bairro – incluindo aquilo que transcorre na própria casa de Pérola – fazem parte da malha social que ronda o filme. A trama se passa na cidade de Bauru, interior de São Paulo, o que confere à história um ar provinciano delicioso.

Mãe latina

Apesar de centrado na figura materna, o filme é narrado pelo olhar de seu filho mais velho, Mauro (Leonardo Fernandes). Garoto sensível, dado a escrever poesia e ligado às artes, ele não se enquadra na visão muito pragmática da mãe, que pensa em um futuro mais promissor para o filho, desacreditando seu pretenso talento como escritor.

O personagem, aliás, é um alter ego do próprio dramaturgo Mauro Rasi, que enxerga em retrospecto sua relação conturbada com essa mãe um tanto intransigente, um tanto rabugenta, por vezes sincera demais, mas também divertida e afetuosa.

Tais nuances estão muito bem postas nas atitudes da personagem, e vale destacar a força de presença de Drica Moraes no papel. Em alguma medida, ele lembra as mães almodovarianas, de sangue latino temperamental, exageradas, dramáticas – mas com aquele sotaque puxado do interior paulista. Ao mesmo tempo, Pérola possui também uma doçura e certa irreverência que se expressam na complexidade do trabalho da atriz, sempre com um copo de bebida mão – o marido é especialista em fazer drinks diferentes.

O filme sabe muito bem extrair a comédia e o drama das mesmas situações, sem deixar de lado as durezas da vida, mas investindo nas divertidas tiradas e situações que a família atravessa no seu processo de amadurecimento e separação.

Pérola (Brasil, 2022)
Direção: Murilo Benício
Roteiro: Jô Abdu, Adriana Falcão e Marcelo Saback

*Publicado originalmente no jornal A Tarde (edição de 30/09/2023)

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